Com Zema, dívida de Minas com a União cresceu mais de 50%

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Relutância do governador em aderir ao Propag só agrava a situação

Flora Villela – BdF

Desde 2020, já na metade do primeiro mandato de Romeu Zema (Novo) como governador, a dívida do estado de Minas Gerais cresceu 51,3%. É o que demonstram os dados do Boletim Mensal da Dívida Pública Estadual, publicado pela Secretaria de Estado da Fazenda (SEF). Especialistas apontam que, apesar de a dívida ter origens mais antigas, o atual governo só piorou a situação, não tendo pago um centavo do montante em seus seis anos de mandato.

Em dezembro de 2024, de acordo com o mesmo boletim, a dívida acumulava um total de mais de R$ 188 bilhões. Para Marco Couto, vice-presidente da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), a explosão do montante está diretamente ligada à postura adotada pelo governador.

“Isso é uma bola de neve, porque, se já era impagável no governo passado, as condições impostas com esse acréscimo só pioraram a situação. A postura do governo Zema foi sempre de vender que a solução era a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), o que não se sustenta”, justifica.

Histórico da dívida

Para Valquíria Assis, economista e conselheira do Conselho Regional de Economia (Corecon-MG), “a dívida de Minas Gerais é um reflexo de decisões históricas que, ao longo de décadas, moldaram o cenário de crise fiscal”.

Um dos marcos desse processo foi a adesão ao Programa de Incentivo à Redução do Setor Público Estadual na Atividade Bancária (PROES), elaborado pelo governo de Fernando Henrique Cardoso. Com a medida, em 1998, o estado optou pelo refinanciamento de suas dívidas relacionadas aos bancos estatais e pelas privatizações de instituições como BEMGE, Minas Caixa e Credireal.

“A adesão de Minas no PROES, foi uma decisão que, naquele momento, buscava alinhar o estado às políticas de ajuste fiscal nacional, mas que negligenciou os impactos a longo prazo. A dívida refinanciada naquele momento, foi atrelada a juros compostos, o que tornou os débitos estaduais insustentáveis ao longo do tempo”, explica Valquíria.

Ela ressalta que os reflexos dessa decisão são sentidos até hoje.

“A combinação de encargos financeiros, elevadas indexações desfavoráveis e a falta de negociações efetivas, consolidaram a dívida de Minas Gerais como um dos maiores entraves ao crescimento econômico do nosso estado. Além disso, o impacto da dívida sobre a capacidade fiscal, limita os investimentos estruturantes, restringindo a oferta de serviços com qualidade, o que impõe sacrifícios à população”, destaca a economista.

Muitos anos depois, já no governo de Fernando Pimentel (PT), a conta estourou. Minas Gerais não conseguia mais honrar as prestações, a União bloqueou receitas e, a partir disso, o estado perdeu a condição de prever até o seu fluxo de caixa, como relembra Marco Couto.

“No final de seu governo, Pimentel conseguiu uma liminar no Supremo Tribunal Federal (STF) suspendendo os pagamentos, o que, por ironia do destino, acabou por beneficiar mesmo o governo Zema, que ficou quase seis anos sem pagar a dívida”, explica o vice-presidente da Fenafisco.

RRF e Propag

Do total da dívida, em torno de R$159 bilhões são devidos à União, enquanto o restante está ligado a débitos do estado com instituições financeiras nacionais e internacionais, Instituto Nacional de Previdência Social (INSS), Instituto de Previdência dos Servidores Militares (IPSM) e com depósitos judiciais. Diante do cenário fiscal caótico, Zema vendeu, ao longo de todo o seu governo, a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), como a única solução viável.

Porém, o modelo é apontado por especialistas como extremamente prejudicial ao desenvolvimento, retirando direitos e desmontando o serviço público. O RRF prevê 21 condicionantes e entre eles estão medidas como o congelamento de salários do funcionalismo público, o impedimento de realização de concursos, a imposição de um teto de gastos e a privatização de importantes estatais como a Copasa, a Cemig e a Codemig.

“O RRF não é solução, ao contrário, ele impõe sacrifícios enormes à população, na medida que precariza o serviço público, privativa estatais e o Estado sai devendo muito mais do que quando entrou. Acaba com a autonomia do Estado”, denuncia Marco Couto.

Na contramão desse regime, há o Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag), criado pelo senador mineiro Rodrigo Pacheco (PSD), que prevê a manutenção do formato atual de juros, mas depreende mecanismos de redução do índice adicional, como a federalização de ativos para o abatimento de parte da dívida.

“Ao contrário do RRF, o Propag não engessa a máquina pública, não precariza a prestação de serviços que são tão necessários, principalmente para a população mais carente, que é quem sente na pele quando se precariza a educação, saúde e segurança. O Propag possibilita a redução e, no médio prazo, até a quitação da dívida. O RRF amplia a dívida e destrói o Estado”, explica o dirigente do Fenafisco.

O montante negociado pelo Propag, que representa a parcela da dívida referente à União, significa cerca de 84% do valor total. Para Valquíria, a proposta de Pacheco apresenta ainda outra grande vantagem.

“Outro ponto positivo do Propag é a contrapartida pressuposta de investimento em setores estratégicos pelo Estado, como educação, saneamento, habitação, etc. Esses investimentos podem estimular a economia local, gerar empregos e promover desenvolvimento econômico em áreas fundamentais para o bem-estar da população”, ressalta.

Mesmo assim, o governo Zema reluta em aderir ao novo formato. Na visão de Marco Couto, a relutância acontece porque o RRF é quase idêntico ao programa de governo do partido Novo: congela salários, dificulta ou veda concursos, impõe a privatização das estatais. Sendo assim, é muito cômodo para o governador permanecer no regime, apesar do bem estar dos mineiros.

“Primeiro Zema disse que com os vetos não ia aderir, depois foi corrigido pelo vice-governador e disse que não ia aderir agora. O governo Zema tem de migrar do regime de recuperação fiscal para o Propag”, alerta.

Ainda não é a solução

Valquíria destaca porém que, embora o Propag represente uma solução muito superior, ainda não resolve o problema dos estados, uma vez que, a estrutura desigual do pacto federativo, que concentra a maior parte da arrecadação da receita na União, prevalece.

“A verdadeira solução requer uma reforma ampla do pacto federativo, que distribua receitas de forma mais equitativa, dê maior autonomia financeira aos estados e repense as condições históricas da individualização, muitas vezes herdadas de contratos firmados por regras desvantajosas, ao longo dos anos”, finaliza a economista.