Expansão das Escolas Cívico-Militares em Minas Gerais é alvo de rejeição e críticas por falta de diálogo e transparência
Audiência pública escancara insatisfação de professores, estudantes e entidades com projeto do governo Zema, acusado de atropelar debate democrático e ameaçar autonomia escolar

Luciano Meira
A tentativa do governo Romeu Zema (Novo) de expandir o programa das escolas cívico-militares em Minas Gerais, de 9 para mais de 700 unidades — quase 20% da rede estadual —, foi duramente rechaçada em audiência pública da Comissão de Educação da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). A medida, conduzida sem respaldo legal claro e marcada pela ausência de diálogo, mobilizou professores, estudantes, sindicatos e especialistas em educação, que denunciaram o caráter autoritário e a falta de transparência do processo.
Falta de base legal e atropelo ao debate democrático
A presidenta da Comissão de Educação, deputada Beatriz Cerqueira (PT), destacou a inconstitucionalidade do programa e a ausência de uma lei estadual que justifique sua ampliação. “Esse programa não tem lei, não tem decreto, só uma resolução da Secretaria de Educação. A única menção legal está dentro do Plano Plurianual de Ação Governamental, vinculado ao projeto Somar, que é um esquema de privatização das escolas por meio de organizações da sociedade civil. O risco que corremos é de que escolas estejam, sem saber, aderindo a um projeto de privatização do ensino público”, esclareceu a deputada.Cerqueira também criticou a rapidez e o caráter intimidatório do memorando enviado às escolas, que impõe prazo até 18 de julho para manifestação. “Eu fiz uma audiência de seis horas porque eu achei que precisava de ter debate de conteúdo. Alguém reclamou do contraditório, mas essa audiência foi o contraditório ao poder político do governo. Foi o único espaço público que a categoria pode falar. Quantos espaços públicos tiveram? Há um medo do contraditório, do debate. Há pressa, há proibição”, afirmou.
Autonomia escolar ameaçada e falta de transparência nos gastos
Entre as principais preocupações levantadas estão:
Perda de autonomia das escolas: O modelo cívico-militar impõe lógica hierárquica e autoritária, substituindo projetos pedagógicos construídos coletivamente por decisões centralizadas e presença ostensiva de militares, que podem até assumir funções de psicólogos e educadores sem formação adequada.
Desvio de recursos e falta de transparência: O governo não apresentou dados sobre os custos da remuneração dos militares, mesmo em um contexto de alegada crise financeira e recusa de reajuste para servidores da educação. Relatos apontam que militares recebem mais que professores e diretores, sem formação pedagógica específica.

Pressa e ausência de debate: O prazo exíguo para consulta às comunidades escolares, aliado à falta de informações claras sobre impactos e resultados do programa, foi duramente criticado. Não há estudos públicos que comprovem melhora na aprendizagem ou redução da violência escolar.
O que são as escolas cívico-militares e por que geram polêmica?
O programa das escolas cívico-militares, implementado em Minas Gerais desde 2020, propõe uma gestão compartilhada entre Secretaria de Educação, Polícia Militar e Corpo de Bombeiros, com foco em valores como disciplina, respeito e cooperação. Segundo o governo, o modelo não altera currículo ou estrutura pedagógica e busca fortalecer a “cultura de paz” nas escolas.
No entanto, especialistas e entidades denunciam que:
Não há evidências científicas de que o modelo melhore a qualidade da educação ou reduza a violência escolar.
O programa pode aprofundar desigualdades, ao atrair alunos de camadas sociais mais altas e reforçar a exclusão de estudantes considerados “indisciplinados”.
O processo de implantação tem viés político e ideológico, sendo associado à agenda da extrema direita e à tentativa de privatização do ensino público.
O governador Romeu Zema é acusado de conduzir a expansão do programa de forma autoritária, sem transparência e diálogo efetivo com a sociedade. A iniciativa ignora experiências internacionais de sucesso em educação, que não adotam modelos militarizados, e desrespeita a autonomia das comunidades escolares. O projeto é visto como parte de uma política maior de desmonte e precarização da educação pública em Minas Gerais, marcada por cortes, ausência de concursos e desvalorização dos profissionais do setor.
“Esse programa não tem lei, não tem decreto, só uma resolução da Secretaria de Educação. (…) O risco que corremos é de que escolas estejam, sem saber, aderindo a um projeto de privatização do ensino público”, afirmou a deputada Beatriz Cerqueira.
“Eu fiz uma audiência de seis horas porque eu achei que precisava de ter debate de conteúdo. (…) Há um medo do contraditório, do debate. Há pressa, há proibição”, concluiu a parlamentar.