Patrimônio à venda: Zema e Simões ignoram críticas e centralizam decisões sobre venda de imóveis

Luciano Meira
O Governo de Minas Gerais, sob a liderança de Romeu Zema (Novo), mergulhou em um mar de críticas internas e externas ao enviar para a Assembleia Legislativa (ALMG) uma lista com mais de 300 imóveis que pretende negociar no âmbito do Programa de Pleno Pagamento das Dívidas dos Estados (Propag). A polêmica se agravou com a revelação de que a lista, que inclui bens de valor histórico, cultural e social, foi montada sem consultar as secretarias diretamente impactadas.
Um dos episódios mais notórios desse “ruído interno” veio à tona na Assembleia. O secretário de Cultura e Turismo, Leônidas Oliveira, confirmou em sessão que não foi consultado sobre a inclusão de equipamentos de sua pasta na lista. Bens emblemáticos como o Palácio das Artes, em Belo Horizonte, o Palacete Dantas, a Fazenda Boa Esperança e o Parque das Águas de Caxambu figuram entre os ativos que o governo considera negociáveis. Diante dos deputados, Oliveira não apenas negou ter dado anuência, mas também pediu publicamente que os parlamentares trabalhassem pela retirada desses equipamentos, reforçando que são imóveis e bens simbólicos para Minas Gerais.
A resposta do vice-governador Mateus Simões (Novo), em entrevista ao Estado de Minas, apenas intensificou o tom crítico. Questionado sobre o desconforto do secretário de Cultura, Simões foi direto e, para muitos, dismissivo: “O secretário de Cultura não tem de ser consultado sobre absolutamente nada que diz respeito ao patrimônio do Estado. Ponto. Ele tem que cuidar da Cultura”.Essa postura centralizadora e que ignora a expertise setorial foi defendida por Simões com a justificativa de que as decisões sobre os ativos negociáveis no Propag devem ser tomadas exclusivamente pelos integrantes de um comitê montado no Executivo para essa função. Segundo ele, “as secretarias temáticas não estão no comitê. Quem está no comitê são as chamadas secretarias meios, são aquelas que tomam conta do dia a dia do governo”. O vice-governador encabeça esse grupo, que conta com secretários como os de Governo, Fazenda e Desenvolvimento Econômico.
A defesa de Simões de que a decisão pertence a “quem é o dono da caneta” e que secretários perdem poder com essa centralização soa particularmente preocupante, especialmente considerando as ambições políticas do vice-governador. Ao justificar dessa forma a não consulta a uma secretaria de área crucial como a Cultura sobre a negociação de seu próprio patrimônio, Simões projeta uma imagem de que, caso chegue ao governo, não será um líder que buscará ouvir ou consultar as pessoas de sua equipe, mesmo em áreas que não são sua especialidade. A falta de consulta ao secretário de Cultura sobre o Palácio das Artes ou à comunidade acadêmica sobre a UEMG, por exemplo, demonstra um modelo de gestão focado no “poder central” que parece prescindir do conhecimento técnico e da opinião dos responsáveis pelas políticas públicas em cada setor.
A lista, que totaliza 343 imóveis, vai muito além do setor cultural. Inclui bens de áreas vitais como a Educação (Escola Estadual Central, UEMG), Saúde (equipamentos do Ipsemg, Hospital Risoleta Neves), e até mesmo a Cidade Administrativa. Parlamentares de oposição, como Bella Gonçalves (Psol) e Beatriz Cerqueira (PT), e representantes sindicais, como Denise Romano do SindUTE-MG, têm manifestado profunda preocupação. Eles denunciam a possibilidade de venda desses imóveis à iniciativa privada com descontos de até 45%, caso a União não manifeste interesse, e alertam para o risco de privatização, especulação imobiliária, perda da função social e o “desmonte” de serviços públicos. A perspectiva de a UEMG ou o Estadual Central terem que pagar aluguel para funcionar ou a Escola Estadual Central, localizada em um dos metros quadrados mais caros da cidade, ser vista apenas como fonte de “dinheiro”, é considerada “muito grave” e um “absurdo”.
Enquanto a oposição luta na ALMG para retirar esses bens da lista, a postura do governo Zema-Simões, marcada pela falta de transparência na elaboração da lista e pela justificativa do vice-governador que minimiza a necessidade de consulta às secretarias temáticas, reforça a crítica de que o patrimônio público está sendo tratado não como um bem a ser preservado e gerido com base em conhecimento especializado, mas como simples ativos financeiros sob controle exclusivo de um grupo restrito no “poder central”.