Área de Mata Atlântica enfrenta crise hídrica e ambiental, com mais de 80 poços perfurados e falta de fiscalização
Jean Silva | Brasil de Fato | Belo Horizonte
No fim de agosto deste ano, a perfuração do poço artesiano de número 83 teve início no bairro Jardins de Petrópolis, em Nova Lima, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), segundo mapeamento do ambientalista e gestor ambiental Luis Lemos, morador da região e representante do movimento PreserveJP. Segundo ele, o número crescente de poços preocupa os moradores e ameaça o equilíbrio ambiental da área.
“Em um raio de 200 metros, já mapeamos outros nove poços artesianos, dois deles a menos de 50 metros de distância. Esses dados mostram o impacto severo no lençol freático”, afirma Luis, que tem enviado relatórios à Polícia Ambiental para tentar conter o avanço descontrolado das perfurações.
Luis Lemos, que há anos denuncia o problema em seu blog e no canal de YouTube PreserveJP, destaca que o bairro vem sofrendo com a exploração desenfreada de recursos hídricos.
“Desde o início dos anos 2000, temos levado a público essa ‘farra’ de poços artesianos. O Jardins de Petrópolis ficou conhecido como um verdadeiro ‘queijo suíço’ por conta da quantidade absurda de perfurações. Estamos testemunhando a morte de nascentes e córregos, que antes eram perenes, mas agora secam gradualmente”, conta.
A questão é ainda mais preocupante, de acordo com especialistas, por conta da ausência de uma política efetiva de gestão de recursos hídricos na cidade e pela escassez de chuvas, agravada pela crise climática. Segundo Luis, o rebaixamento do lençol freático tem sido acelerado e algumas propriedades, que antes contavam com fontes naturais de água, agora recorrem aos poços artesianos.
“Existia um laguinho em uma das vias principais do bairro, que secou completamente. No lugar onde brotava água naturalmente agora há um poço artesiano”, conta.
Luis também aponta para irregularidades nas construções em Áreas de Preservação Permanente (APP), próximas a nascentes e margens de córregos.
“Temos visto desmatamento e obras em áreas protegidas, o que só agrava a situação. A cada poço que tomamos conhecimento, pedimos fiscalização da Polícia Ambiental e que o caso seja encaminhado ao Ministério Público”, explica.
Ele ressalta que a perfuração de poços deve obedecer a critérios estabelecidos pelo Decreto Estadual 47.705, que prevê estudos geológicos e hidrogeológicos e a avaliação de interferências em um raio de 200 metros, mas que essa regulamentação não tem sido seguida à risca.
Impactos na fauna e flora
Além da crise hídrica, a fauna local também sofre as consequências das perfurações desenfreadas. Marcelo de Oliveira, morador antigo do bairro, relembra que os animais estão cada vez mais desorientados.
“Antigamente, pegávamos água direto das nascentes. Agora, não tem mais água e os bichos estão ficando perdidos. Outro dia, vi um veado bebendo água de uma fonte no jardim da casa onde trabalho. Eles estão ficando sem recursos naturais”, lamenta.
Falta de fiscalização
Jeanine Oliveira, ambientalista do Projeto Manuelzão, vinculado à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), reforça a necessidade de uma atuação mais firme por parte da prefeitura de Nova Lima e das autoridades estaduais.
“A Prefeitura de Nova Lima não respeita o próprio Plano Diretor e não prioriza a preservação do meio ambiente. A falta de regulação sobre o uso do solo e a inércia do poder público colocam em risco não apenas a comunidade, mas também os recursos naturais que ainda restam”, critica.
Segundo Jeanine, a perfuração descontrolada de poços artesianos é uma questão que vai além da gestão municipal, envolvendo também o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) e a Secretaria Estadual de Meio Ambiente.
“Esses poços estão sendo perfurados sem que haja uma regulação adequada sobre a disponibilidade hídrica. O Igam, em conjunto com outros órgãos, deveria garantir um controle rigoroso sobre a exploração da água subterrânea, mas isso não está acontecendo”, afirma.
Ela também destaca a lentidão do Ministério Público em atuar diante das denúncias.
“A morosidade com que o Ministério Público trata esses casos é alarmante. Estamos vendo um aumento expressivo de condomínios que perfuram poços artesianos ou despejam esgoto sem nenhum controle ambiental. A situação no Jardins de Petrópolis é só a ponta do iceberg”, alerta Jeanine.
O outro lado
Em resposta, a Prefeitura de Nova Lima afirmou que a competência para a gestão e fiscalização de poços artesianos é do Igam e que o bairro Jardins de Petrópolis não é atendido pelo serviço de fornecimento de água da Copasa. A prefeitura disse também que não há registro oficial de denúncias sobre perfurações clandestinas ou ilegais em órgãos da prefeitura.
A Copasa informa que o caso se trata de um loteamento particular.
Até o fechamento desta matéria, não obtivemos respostas do Ministério Público e da Secretaria de Estado de Meio Ambiente, que também foram procurados.
O espaço segue aberto para manifestações dos órgãos competentes.
Fonte: BdF Minas Gerais