Fux diverge de Fux que diverge de Moraes
Ministro do STF questiona restrições impostas a Bolsonaro, mas decisão reacende polêmica sobre posições contraditórias na Corte em episódios decisivos para a democracia

Luciano Meira
Na noite desta segunda-feira (21), o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), abriu uma forte divergência ao voto do ministro Alexandre de Moraes sobre as medidas restritivas impostas ao ex-presidente Jair Bolsonaro. O caso reacende discussões sobre liberdades constitucionais, o papel do Judiciário no jogo democrático e a coerência das decisões da Corte ao longo dos anos — e traz à tona uma lembrança incômoda: a do próprio Fux proibindo, anos antes, entrevistas de Luiz Inácio Lula da Silva, então preso por ordem de Sérgio Moro.
O caso Bolsonaro e as restrições impostas
O ministro Alexandre de Moraes, relator do processo que apura a suposta participação de Jair Bolsonaro em uma trama golpista, determinou a proibição do ex-presidente utilizar redes sociais, diretamente ou por terceiros. Moraes também vedou a veiculação de áudios, vídeos ou transcrições de entrevistas de Bolsonaro em qualquer ambiente digital, inclusive se a publicação partir de terceiros. A justificativa foi evitar que Bolsonaro burlasse as restrições impostas e influenciasse a opinião pública em meio à investigação, sob pena de revogação das medidas alternativas e decretação de prisão preventiva caso descumpra a ordem.Na prática, não há vedação direta a entrevistas, mas qualquer conteúdo gerado por Bolsonaro que venha a circular nas redes pode motivar sua prisão — situação que especialistas classificam como restrição indireta à livre manifestação e ao direito à comunicação do ex-presidente.
O voto divergente de Luiz Fux
Ao analisar o caso, Fux votou contra as medidas cautelares impostas a Bolsonaro — que incluem tornozeleira eletrônica e restrições à comunicação — por considerá-las desproporcionais e carentes de fundamentação concreta e individualizada. Fux apontou que não havia apresentação de provas contemporâneas que justificassem tamanha restrição a direitos fundamentais, como a liberdade de ir e vir e de expressão, especialmente diante da inexistência de eventos recentes que justificassem a punição preventiva. O ministro também ressaltou que o ex-presidente já possui domicílio certo e passaporte retido, fatores que, pela jurisprudência, afastariam a necessidade de medidas agravadas.
Apesar do voto isolado de Fux, a maioria dos ministros da Primeira Turma acompanhou Moraes, garantindo a manutenção das restrições.
Fux diverge de Fux: episódio Lula
A postura atual de Fux colocou em evidência um curioso contraste com sua atuação anterior. Em 2018, logo após a prisão do ex-presidente Lula determinada pelo então juiz Sérgio Moro no controverso e posteriormente comprovado fraudulento, caso do tríplex do Guarujá, Fux impôs censura a uma entrevista que Lula concederia à Folha de S.Paulo. Na decisão, Fux argumentou que a autorização para a entrevista poderia interferir no processo eleitoral em curso, mesmo sem apresentar elementos concretos de ameaça à ordem pública, direito fundamental ou segurança nacional.
A proibição foi duramente criticada à época por entidades jornalísticas e juristas, que viram na medida uma afronta à democracia e à liberdade de imprensa. O episódio ficou ainda mais controverso diante das revelações da “Vaza Jato” — série de reportagens baseadas em mensagens vazadas entre membros da Operação Lava Jato —, que evidenciaram o conluio entre o juiz, o Ministério Público comandado por Deltan Dallagnol e interesses políticos. Em mensagem emblemática, Dallagnol afirmou a Sérgio Moro: “In Fux we trust”, sugerindo confiança no apoio do ministro do STF à estratégia que culminou na prisão de Lula e, depois se comprovou, na limitação de seus direitos políticos.
Anulação da condenação de Lula: um processo marcado por irregularidades
Anos depois, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a incompetência da Justiça Federal do Paraná para julgar Lula e a suspeição do então juiz Sérgio Moro, anulando todas as condenações decorrentes daquele processo. Ficou comprovado que as sentenças e restrições impostas a Lula, inclusive seu veto a entrevistas, foram produtos de um processo viciado, em claro desvio das garantias constitucionais — um marco do chamado “lawfare” jurídico-político.
Contradições e seletividade no Supremo
O episódio recente deixa evidente como o Supremo Tribunal Federal pode produzir respostas distintas diante de situações análogas, guiado por contextos políticos ou pressões do momento. O ministro Luiz Fux, que proibiu Lula de se expressar em 2018 sob argumentos de ordem institucional, posiciona-se, em 2025, como garantista e crítico de restrições à liberdade de expressão de Bolsonaro. Trata-se de movimentos ora a favor, ora em oposição à liberdade de comunicação, que refletem as pressões e as conveniências nos bastidores do Judiciário brasileiro.
No fim, a contradição exposta por “Fux diverge de Fux que diverge de Moraes” não é apenas de um ministro, mas da própria Corte e de seu papel oscilante ante as instituições democráticas e a sociedade.