Deputadas tentam barrar “Deliberação da Devastação” em Minas Gerais; flexibilização ambiental amplia risco a ecossistemas sensíveis

Projeto das parlamentares busca sustar norma aprovada pelo Copam que dispensa licença ambiental para propriedades rurais de até 1.000 hectares e facilita supressão em áreas de conservação máxima

Deputadas estaduais Beatriz Cerqueira (PT-MG), Bella Gonçalves (PSOL-MG) e Lohana (PV-MG)
Luciano Meira

O debate sobre o futuro das regras ambientais de Minas Gerais voltou ao centro das atenções após a aprovação, pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), de mudanças que flexibilizam radicalmente o licenciamento de propriedades rurais e facilitam novos empreendimentos em áreas de alta sensibilidade ecológica. A resolução, publicada no Diário Oficial do Estado no fim de julho, suspende a necessidade de licenciamento para atividades do setor agropecuário em propriedades de até 1.000 hectares, superando largamente o limite anterior, que era de 200 hectares. Ambientalistas rotularam a norma como “Deliberação da Devastação”.Em reação imediata, deputadas estaduais Beatriz Cerqueira (PT), Bella Gonçalves (PSOL) e Lohana (PV) apresentaram na quinta-feira (31) um projeto de resolução na Assembleia Legislativa para bloquear as novas regras antes que entrem em vigor. O texto se apoia na Constituição do Estado e no regimento interno para tentar sustar os efeitos da deliberação, vista pelas autoras como uma “licença para devastar” justamente em um estado que já amarga tragédias ambientais decorrentes de falhas de fiscalização e pressão econômica da mineração.

Ambientalistas e especialistas alertam para o precedente: a ampliação das propriedades isentas de licença, segundo Gustavo Ceppolini, professor da Unimontes, representa um risco monumental ao bioma Cerrado e favorece grandes proprietários, deixando pequenas propriedades e agricultura familiar sem benefícios práticos. “Mil hectares são tamanho para latifúndios, não agricultura familiar. Isso nada mais é do que passar a régua na proteção ambiental para o grande agronegócio”, sintetiza um dirigente do Sindicato dos Servidores do Meio Ambiente (Sindsema).

Para além do volume de terras liberadas, a deliberação aprovada pelo Copam também recebeu emenda considerada “jabuti” (emendas incluídas em um projeto sem relação com o tema principal), ampliando seu alcance: agora, licenciamento simplificado pode ser concedido até para obras em áreas com vegetação classificada como de “importância biológica extrema ou especial”, segundo mapeamento oficial da Fundação Biodiversitas. Ou seja, até mesmo locais prioritários para conservação—ecossistemas raros, cavernas, patrimônio paleontológico—ficam vulneráveis ao avanço de grandes projetos, sob a justificativa de “desburocratização do agro”.

A defesa das mudanças parte do governo e de entidades do agronegócio, que alegam alinhamento às tendências nacionais e repetem a promessa de “segurança jurídica, menos custos e mais eficiência”. Segundo a Semad, as novas normas seguem válidas práticas administrativas e, mesmo dispensando o licenciamento ambiental tradicional, continuam exigindo Cadastro Ambiental Rural (CAR), autorizações para supressão de vegetação e outorgas de uso da água. Já para representantes do Ministério do Meio Ambiente, Ibama e Polícia Militar, a medida enfraquece o controle ambiental, ameaça a conservação da biodiversidade e entra em conflito com pactos federais e resoluções internacionais contra o desmatamento.

A flexibilização mineira acontece no contexto de tramitação da chamada “Lei Geral do Licenciamento Ambiental” no Congresso Nacional, já apelidada de “PL da Devastação” por ONGs e movimentos socioambientais. O projeto federal, aprovado na Câmara e no Senado em julho, prevê dispensa de licenças para várias atividades agropecuárias e traz mecanismos de autodeclaração que preocupam especialistas pelo potencial de esvaziar o controle estatal sobre atividades com risco ambiental significativo.

Em Minas Gerais, a resistência articulada pelas deputadas têm apoio de movimentos sociais, servidores ambientais e acadêmicos, que denunciam: “Estamos diante de um escândalo ambiental. Proteger o que resta da biodiversidade mineira é obrigação política e civilizatória”, resume a deputada Bella Gonçalves.

O Governo de Minas afirma que o objetivo é promover o desenvolvimento sustentável e garantir permanência dos instrumentos de controle, reconhecendo que o debate sobre o alcance das mudanças deve prosseguir na Assembleia e na Justiça.

O Metropolitano

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