Defensoria Pública acompanha TCE-MG e recomenda suspensão da expansão das escolas cívico-militares em Minas Gerais

Entidades apontam irregularidades legais e riscos aos direitos de crianças e adolescentes e determinam interrupção do programa após denúncia da deputada Beatriz Cerqueira

Divulgação Defensoria MG
Luciano Meira

A Defensoria Pública de Minas Gerais, em resposta a uma representação da deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT), recomendou a imediata interrupção do Programa de Escolas Cívico-Militares no estado. Paralelamente, o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE-MG), ontem também havia acatado o pedido da parlamentar e determinado a suspensão da expansão do modelo em toda a rede estadual. As medidas refletem questionamentos legais graves e apontam para riscos à proteção integral e aos direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes.

A Defensoria instaurou um Procedimento Administrativo de Tutela Coletiva para apurar o programa, cuja proposta de gestão híbrida entre a Secretaria de Educação e as forças militares apresenta múltiplas irregularidades. Entre as principais apontadas estão a usurpação da competência da União para legislar sobre as diretrizes da educação nacional, afronta ao princípio da gestão democrática das escolas e o desvio de função de policiais e bombeiros, convocados para funções pedagógicas sem qualificação nem respaldo legal.Além disso, o programa é criticado por desvalorizar os profissionais da educação ao transferir para agentes militares atribuições docentes e administrativas, gerando incompatibilidade entre o modelo hierárquico militar e princípios educacionais básicos, como pluralismo, liberdade de aprender e pensamento crítico, previstos na Constituição Federal e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação.

O TCE-MG, por sua vez, determinou que o governo estadual suspenda não apenas a expansão do programa, mas também comprove em até cinco dias a paralisação das consultas públicas iniciadas para adesão ao modelo. O Tribunal exigiu ainda detalhamento sobre custos, recursos financeiros destinados à remuneração dos militares, critérios para sua seleção, além de dados pedagógicos e orçamentários das escolas atualmente sob o regime cívico-militar em funcionamento.

Confira a íntegra das irregularidades apontadas:

a) Usurpação da competência privativa da União para legislar a respeito das diretrizes e bases da educação nacional (art. 22, inciso XXIV c/c art. 24, inciso IX, da Constituição Federal), considerando a inexistência de modelo de gestão escolar híbrida em formato cívico-militar, nos termos da Lei Federal n. 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional);

b) Violação ao princípio da gestão democrática do ensino público (art. 206, inciso VI, da Constituição Federal), com interferência de militares em processos de decisão escolar, no cotidiano educacional e em funções pedagógicas, tudo em detrimento da autonomia da comunidade escolar;

c) Desvio de função de policiais e bombeiros militares, convocados para o exercício de atividades típicas de profissionais da educação, sem formação específica e sem respaldo legal para tais funções, em inobservância ao art. 144, § 5º, da Constituição Federal e as funções previstas na Lei Federal n. 14.751/2023 (Orgânica Nacional das Polícias Miliares e dos Corpos de Bombeiros Militares dos Estados);

d) Ofensa à valorização dos profissionais da educação, em decorrência da atribuição indevida de funções pedagógicas, educativas e de administração escolar a agentes estranhos aos cargos da educação, em desrespeito aos princípios constitucionais do ensino e à legislação da carreira (art. 206, inciso V, da Constituição Federal c/c art. 61, da Lei de Diretrizes e Bases e Lei Estadual n. 15.293/2004);

e) Incompatibilidade entre o modelo de hierarquia e disciplina militar com princípios educacionais do pluralismo, da liberdade de aprender e do pensamento crítico, previstos no art. 206, inciso II e III, da Constituição Federal c/c art. 3º, inciso II e III, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei Federal n. 9.394/1996).

Deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT-MG) – Arquivo RMC

A deputada Beatriz Cerqueira, que lidera o questionamento, defende que o programa viola legislação educacional e pode comprometer a qualidade e autonomia do ensino público em Minas Gerais. As recomendações da Defensoria Pública foram assinadas pela Coordenadoria Estratégica de Tutela Coletiva e pela Coordenadoria de Promoção e Defesa dos Direitos das Crianças e Adolescentes.

A decisão conjunta do TCE-MG e da Defensoria representa uma resposta institucional significativa aos questionamentos sobre a legalidade e os impactos pedagógicos do programa, abrindo espaço para um debate aprofundado sobre a presença militar na gestão escolar e a garantia dos direitos dos estudantes na rede pública estadual.

O Metropolitano

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