Ministério Público de Minas Gerais apura irregularidades na expansão das Escolas Cívico-Militares

Procedimento administrativo foi aberto após representação da deputada Beatriz Cerqueira (PT); Tribunal de Contas suspendeu a ampliação do programa e Defensoria Pública recomendou sua interrupção

Deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT) – Foto: Luiz Rocha/Mandato da deputada
Luciano Meira

O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) instaurou procedimento administrativo para investigar possíveis irregularidades e ilegalidades na expansão do Programa das Escolas Cívico-Militares implementado pelo governo Romeu Zema (Novo). A apuração ocorre após denúncia apresentada pela deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT), que aponta diversos questionamentos quanto à legalidade, constitucionalidade e operacionalidade do programa. O MPMG requisitou à Secretaria de Estado de Educação informações detalhadas em até 30 dias, com foco especial nos pontos destacados pela parlamentar.

O procedimento do Ministério Público busca elucidar aspectos fundamentais da iniciativa — que prevê a inclusão de militares na rotina escolar e, conforme lista divulgada pelo Estado, pode atingir até 721 escolas estaduais. O número contrasta com o previsto no Plano Plurianual de Ação Governamental (PPAG) e na Lei Orçamentária Anual (LOA), que contemplam apenas 92 unidades ao longo de quatro anos pelo Projeto Somar, abrangendo escolas cívico-militares e parcerias com organizações da sociedade civil.

Para o MPMG, é necessário esclarecer questões relativas à diferença de 629 escolas entre o plano inicial e o projeto proposto, explicação de recursos financeiros e orçamentários, discriminação de fontes de financiamento, valores por escola e parcerias envolvidas. Em sua representação, Beatriz Cerqueira também aponta preocupações quanto à ausência de legislação específica que regulamente o modelo, já que o programa foi instituído por meio de Resolução Conjunta (SEE/CBMMG nº 01/2024) e memorandos internos, sem respaldo em lei estadual ou federal. O órgão pede ao Estado explicações sobre a constitucionalidade da medida, especialmente diante da competência legislativa exclusiva da União sobre diretrizes da educação nacional e das ações diretas de inconstitucionalidade em curso no STF sobre iniciativas semelhantes em outros estados.A atuação de militares em funções pedagógicas também é objeto de questionamento. O Ministério Público requer esclarecimentos sobre o papel dos oficiais supervisores e monitores, que, segundo a Resolução SEE/CBMMG nº 01/2024, podem assumir tarefas destinadas tradicionalmente a gestores, psicólogos, assistentes sociais e docentes. O órgão quer saber quais medidas serão adotadas para evitar desvio de função, usurpação de atribuições e descumprimento de requisitos legais como concurso público e formação específica.

Destacam-se ainda indagações sobre a formação docente exigida para militares, compatibilidade de carga horária, critérios de escolha dos profissionais, extensão das atribuições e procedimentos em eventuais ocorrências disciplinares. O MPMG solicita informações sobre possíveis cobranças ou obrigatoriedade de aquisição de uniformes e materiais escolares, garantia de igualdade de acesso, liberdade pedagógica e gestão democrática, bem como sobre o anonimato na manifestação de interesse da comunidade escolar.

A seleção das escolas também é questionada, especialmente pela coincidência das consultas com o período de recesso escolar e pelo critério de vulnerabilidade social das unidades “pré-selecionadas”. Outro ponto da investigação aborda impactos potenciais na identidade e dignidade de estudantes de diferentes grupos, com exigência de medidas que assegurem pluralidade e inclusão.

A Promotoria de Justiça requer ainda detalhamento do sistema de avaliação e monitoramento do programa, indicadores utilizados, resultados observados nas nove escolas onde já foi implantado, critérios para seleção de novas unidades e medidas de denúncia acessíveis para estudantes e familiares em casos de abuso ou violação de direitos.

Em paralelo à investigação do MPMG, o Tribunal de Contas de Minas Gerais já determinou, em 13 de agosto, a suspensão da expansão do programa após representação da deputada Beatriz Cerqueira. Também no dia 13, a Defensoria Pública do Estado recomendou à Secretaria de Educação a interrupção da iniciativa.

A apuração do Ministério Público ocorre em momento de debate nacional sobre modelos de gestão escolar, com organismos internacionais como o Comitê sobre os Direitos da Criança da ONU e o Conselho de Direitos Humanos da ONU recomendando a desmilitarização da educação pública. O governo de Minas Gerais terá de responder aos questionamentos e esclarecer as evidências e fundamentos que embasam a ampliação do programa como alternativa para a melhoria dos resultados educacionais e redução da violência nas escolas.

Pontos sob investigação do Ministério Público de Minas Gerais:

♦ Diferença entre número de escolas previsto em orçamento (92) e o anunciado (721) para o programa cívico-militar; explicações legais e orçamentárias.

♦ Detalhamento de fontes de recursos, previsão orçamentária, parcerias e valores investidos por escola.

♦ Ausência de lei estadual ou federal para regulamentação; fundamentação da constitucionalidade e legalidade da expansão.

♦ Envio de cópias de todos os atos normativos e administrativos sobre o programa.

♦ Conciliar atuação dos militares com legislação vigente sobre políticas educacionais e carreira militar.

♦ Prevenir sobreposição ou desvio de função em relação aos profissionais da educação.

♦ Formação exigida para militares em funções escolares administrativas e pedagógicas.

♦ Compatibilização da carga horária dos militares com a carga anual mínima de professores e alunos.

♦ Extensão das atribuições dos militares em escolas; presença fardada ou armada; procedimentos disciplinadores; número de militares por escola; critérios de escolha e participação de militares da ativa ou reserva.

♦ Efetividade das garantias constitucionais à igualdade de acesso, liberdade de cátedra e gestão democrática.

♦ Observância à gratuidade do ensino público; eventuais taxas, obrigatoriedade de materiais ou uniformes e sua cobertura.

♦ Revisão do modelo de manifestação de interesse para assegurar anonimato e liberdade de escolha.

♦ Critérios técnicos e transparência na seleção de escolas para o programa.

♦ Fundamentação teórica e empírica para implantação do modelo frente às recomendações internacionais de desmilitarização.

♦ Medidas para garantir pluralidade, inclusão e desenvolvimento da personalidade de estudantes de diferentes grupos sociais.

♦ Sistema de avaliação e monitoramento do programa; indicadores e resultados nas escolas que já o adotam.

♦ Critérios técnicos, pedagógicos, contexto territorial e viabilidade para seleção de unidades no projeto de expansão.

♦ Existência ou previsão de canais de denúncia eficazes para casos de abusos ou violações no âmbito do programa.

O Ministério Público aguarda a manifestação do Governo de Minas Gerais para aprofundar a apuração sobre o programa, que segue suspenso por determinação judicial e por recomendação da Defensoria Pública.

O Metropolitano

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