Dez anos do desastre de Mariana e a impunidade que agora tem até a própria cerveja para brindar

Enquanto vítimas do maior colapso de barragem no Brasil ainda buscam justiça em meio a falhas da Fundação Renova e ausência de prisões, réus absolvidos na tragédia da Backer deixam rastro de mortes e sequelas impunes — com a Cerveja Belorizontina servindo de irônico brinde à impunidade

Imagens reprodução redes sociais – Arte: RMC
Luciano Meira

No dia 5 de novembro de 2015, a barragem de Fundão, operada pela Samarco — empresa controlada pela Vale e pela BHP Billiton — rompeu-se em Mariana, Minas Gerais, liberando cerca de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos tóxicos que mataram 19 pessoas, deixaram centenas desabrigadas e devastaram o Rio Doce e comunidades ao longo de sua bacia. Dez anos depois, apesar de promessas de reparação e acordos bilionários, nenhuma pessoa foi presa, a Fundação Renova, responsável pela gestão da reparação, é alvo frequente de críticas por atrasos e erros, e as vítimas seguem lutando por justiça e dignidade. Paralelamente, a recente absolvição de todos os réus envolvidos no processo criminal da Cervejaria Backer, responsável pela contaminação da cerveja Belorizontina que matou 10 pessoas e deixou 16 com sequelas graves, reafirma um cenário de impunidade nos grandes desastres que ceifam vidas e destroem famílias no Brasil.O desastre de Mariana permanece como um símbolo sombrio da negligência corporativa e da falha da Justiça. A Samarco, controlada pela Vale e BHP, foi recentemente absolvida em processo criminal que tinha 22 pessoas e as próprias empresas como réus, sob a justificativa da “ausência de provas suficientes” para responsabilização individual. Muitas das denúncias deixaram claro que gestores tinham “plena ciência técnica dos riscos de liquefação e colapso estrutural” da barragem e que houve omissões que aumentaram o risco da tragédia. A Fundação Renova, com seu papel de gerir o processo de reparação, foi extinta após quase nove anos de ação, acusada de atrasos no pagamento de indenizações, má gestão dos recursos e insubordinação às vítimas, que até hoje relatam problemas nos reassentamentos e falta de acessos a seus direitos básicos. Enquanto isso, a Vale negocia um acordo bilionário para reparar danos morais coletivos, mas milhares de atingidos ainda aguardam respostas concretas e punições efetivas.

Ao mesmo tempo, a Justiça de Minas Gerais absolveu, no último dia 4 de novembro, todos os dez réus acusados no caso da Cervejaria Backer. A contaminação da cerveja Belorizontina por dietilenoglicol e monoetilenoglicol ocasionou a morte de 10 pessoas e deixou outras 16 com sequelas graves, diagnosticadas com síndrome nefroneural, que atinge rins e sistema nervoso. A contaminação foi causada por um furo em um tanque de resfriamento, mas o juiz responsável pela decisão afirmou que não há provas suficientes para individualizar as condutas criminosas dos sócios e técnicos da empresa. Entre os absolvidos estão sócios, engenheiros e técnicos, apesar do fato comprovado da intoxicação e dos danos. A sentença ressaltou que a absolvição criminal não afeta a responsabilidade civil da empresa, que continua obrigada a indenizar as vítimas, mas deixa um vazio penal preocupante, sobretudo em um caso com perdas humanas e graves sequelas.

A ironia amarga é inevitável: enquanto a impunidade ronda os episódios trágicos em Mariana e Belo Horizonte, os responsáveis — ou os absentes de responsabilização — agora podem brindar — literalmente — com uma cerveja à altura da sua liberdade para escapar das consequências criminais. A Cerveja Belorizontina, símbolo da tragédia da Backer, parece ser o rótulo perfeito para celebrar não apenas uma bebida, mas a impunidade institucionalizada diante de crimes contra a vida e o meio ambiente. Dez anos após o maior desastre ambiental brasileiro recente, mortes ainda não foram penalmente responsabilizadas, e casos como o da Backer reforçam o desafio de garantir que tragédias com vítimas fatais não se percam em processos judiciais que terminam em absolvições controversas.

Enquanto as famílias das vítimas da Samarco seguem em busca de moradia digna, indenizações justas e pelo menos um reconhecimento legal da culpa daqueles cujas decisões resultaram em destruição e morte, as decepções com a Justiça se acumulam. No caso Backer, o silêncio penal deixa sequelas não só nos corpos das vítimas, mas na confiança do cidadão no sistema de Justiça, que vê falhas técnicas e omissões em investigações cruciais. Numa sociedade que ainda tolera que esses crimes fiquem sem punição, o brinde com a Cerveja Belorizontina é um símbolo doloroso da impunidade que paira sobre grandes desastres no Brasil.

Essa ironia não é apenas provocação: é o retrato atual de uma triste realidade em que, apesar da tragédia e da comprovação dos danos, os responsáveis seguem impunes aos olhos da lei, enquanto as vítimas continuam à espera de justiça. Dez anos depois do colapso da barragem em Mariana e cinco anos após a contaminação da cerveja Backer, nem mortes, nem sequelas ou danos irreparáveis foram suficientes para que o sistema judicial criminalizasse aqueles que deveriam ser responsabilizados.

O Metropolitano

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