Zema avança na privatização, inclui CEMIG e apresenta lista bilionária para adesão ao Propag após aprovação da PEC do “Cala Boca”
Governador oferece quase três vezes mais ativos que o exigido para renegociar R$ 181 bilhões da dívida, processo é marcado por falta de transparência, críticas às avaliações e exclusão da população das decisões

Luciano Meira
Na esteira da polêmica aprovação da PEC do “Cala Boca” na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), que impede a participação popular nas discussões sobre venda de estatais, o governador Romeu Zema (Novo) encaminhou ofício ao governo federal manifestando interesse na adesão ao Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag). A iniciativa, que visa renegociar o endividamento estadual de R$ 181 bilhões, inclui a oferta de ativos estimados em R$ 96 bilhões — quase três vezes o valor mínimo exigido — entre eles a controversa inclusão da Cemig no programa.
A PEC 24/2023, aprovada com manobras regimentais e muitos protestos, silencia a população mineira ao eliminar a necessidade de referendo para a privatização de empresas públicas, retirando o direito dos cidadãos de opinar sobre o destino do patrimônio coletivo. Esta emenda constitucional abriu um caminho praticamente sem entraves para o governo realizar privatizações e transferências de ativos, em um cenário marcado por forte oposição da sociedade civil.
O que é o Propag e a situação da dívida de Minas
O Propag é um programa federal que permite estados renegociarem suas dívidas com a União em condições mais favoráveis: prazo de 30 anos para pagamento, correção pela inflação (IPCA) e juros zero. Como condição, os estados devem oferecer ativos para abater até 20% do saldo devedor, atualmente estimado em R$ 181 bilhões para Minas Gerais.
Minas precisa aderir para aliviar a pressão financeira e sair do sufoco do Regime de Recuperação Fiscal (RRF), que impõe rígidas limitações de gastos e investimentos ao estado. A adesão, porém, vem com contrapartidas, como aportes anuais obrigatórios para áreas como educação e saneamento.
Ativos oferecidos e polêmicas nas avaliações
O governo Zema apresentou uma lista de ativos e recursos estimados em R$ 96 bilhões, quase três vezes o mínimo exigido de R$ 36 bilhões. Entre eles estão fluxos de recebíveis (R$ 72,7 bilhões), participações societárias (R$ 19,2 bilhões), imóveis (R$ 2,2 bilhões) e estoque da dívida (R$ 2,6 bilhões).
O ponto mais controverso é a inclusão da Cemig, que estava inicialmente fora dos planos e fora da PEC do Cala Boca. O governo propõe transformar a Cemig em uma corporation, modelo que dilui o controle mas mantém uma golden share (tipo de ação especial, em tradução literal “ação de ouro”) para o estado, garantindo poder de veto em decisões estratégicas. As ações avaliadas somam R$ 13,5 bilhões.
Além disso, a Codemge e a Minas Gerais Participações (MGI) também constam na lista, com valores que podem chegar a quase R$ 37 bilhões no caso da Codemge, caso amplie sua participação na Codemig. A federalização da Codemge já foi autorizada pela ALMG, mas ainda suscita críticas pelo sigilo imposto a documentos estratégicos e avaliação nebulosa.
Especialistas, parlamentares e setores da sociedade cobram transparência nas avaliações dos ativos, questionando a real capacidade dos valores apresentados para amortizar a dívida sem que o patrimônio público seja subvalorizado ou entregue a preços baixos. A ausência de debates públicos e a inclusão da Cemig na esteira da aprovação da PEC do Cala Boca que eliminou o referendo, mostram contradições no processo e aumentam a desconfiança.
Além disso, obras e propriedades públicas têm sido retiradas da lista de ativos que serão transferidos, e valores de imóveis e participações podem ser reajustados, gerando dúvidas sobre os reais impactos da operação para os mineiros.
Tabela resumo dos principais ativos oferecidos para abatimento da dívida:
| Tipo de ativo | Valor estimado (R$ bilhões) | Descrição |
| Fluxo de recebíveis | 72,7 | Receitas futuras de compensações e repasses |
| Participações societárias | 19,2 | Cemig, Codemge, MGI |
| Imóveis | 2,2 | Propriedades públicas para transferência |
| Estoque da dívida | 2,6 | Créditos e outros ativos financeiros |
| Total | 96,7 |
O roteiro aponta para uma operação fechada, que desconsidera a voz e o direito da população e pode comprometer o futuro do estado ao negociar patrimônio estratégico. Os valores bilionários em jogo contrastam com a pouca transparência e falta de debates, expondo Minas a riscos financeiros e políticos que podem se estender por décadas.
Essa combinação explosiva entre uma PEC que cerceia a participação popular, a adesão precoce e polêmica ao Propag, e avaliações alvo de críticas severas, revela uma agenda governamental com pouco espaço para a cidadania, mas cheia de interesses econômicos estratégicos que precisam ser vistoriados com rigor. O leitor deve ficar atento ao desenrolar dessa trama que pode definir os rumos do patrimônio e das finanças de Minas Gerais para os próximos 30 anos.
