Aos 90 anos, Adélia Prado reafirma força da poesia mineira e conquista de prêmios internacionais
Autora de “Bagagem” e “O coração disparado” chega aos 90 como uma das vozes centrais da literatura em língua portuguesa, celebrada em Divinópolis, nas redes e nos maiores prêmios da área

Luciano Meira
Adélia Luzia Prado de Freitas, mineira de Divinópolis, completa 90 anos neste sábado (13) consagrada como uma das escritoras mais importantes da literatura brasileira contemporânea, aclamada pela crítica, adotada por gerações de leitores e recém-alçada ao topo dos prêmios de língua portuguesa com o Camões de 2024. Entre homenagens em sua cidade natal, leituras públicas e intensa circulação de seus versos nas redes sociais, a autora de “Bagagem” e “O coração disparado” vê sua obra ultrapassar fronteiras geográficas e etárias, mantendo o foco em temas do cotidiano, da fé e do corpo.
Infância em Divinópolis e descoberta por Drummond
Nascida em 13 de dezembro de 1935, em Divinópolis, centro-oeste de Minas Gerais, Adélia é filha de um ferroviário e de uma dona de casa, e cresceu em ambiente popular, marcado pelo trabalho e pela religiosidade católica que mais tarde atravessaria sua poesia. Professora primária por mais de duas décadas, ela começou a escrever ainda jovem, mas só se tornaria conhecida nacionalmente na década de 1970, quando o poeta Carlos Drummond de Andrade destacou publicamente seus originais e ajudou a impulsionar a publicação do livro de estreia.
“Bagagem”, lançado em 1976, chamou atenção da crítica pela combinação de linguagem direta, humor, religiosidade e reflexão filosófica aplicada às cenas do dia a dia, abrindo espaço para uma voz feminina mineira até então pouco visível no cenário nacional. Desde então, Adélia manteve residência em Divinópolis, transformando a cidade em referência afetiva e literária, o que motiva hoje uma programação de homenagens e atividades culturais organizada pelo município para marcar seus 90 anos.
Obras marcantes e temas recorrentes
Depois de “Bagagem”, Adélia consolidou a carreira com “O coração disparado”, de 1978, obra que se tornaria um marco de sua trajetória ao aprofundar a reflexão sobre corpo, morte, amor, maternidade e espiritualidade em poemas que transitam entre o doméstico e o metafísico. A escritora ampliou o repertório com livros de poesia, prosa e literatura infantil, como “Terra de Santa Cruz”, publicado em 1981, e o infantil “Quando eu era pequena”, de 2006, entre outros títulos que ajudaram a projetar seu nome também para públicos mais jovens.
A autora já declarou ver períodos de silêncio criativo como uma espécie de “deserto” necessário, experiência que atravessou sua produção entre o fim dos anos 1980 e meados da década seguinte, até o lançamento de “O homem da mão seca”, em 1994, quando retomou a poesia depois de um bloqueio associado a um quadro depressivo. Aos 90 anos, ela segue publicando: em 2023 e 2024, voltou a lançar poesia e a participar de projetos audiovisuais e podcasts sobre literatura, e em 2025 é lembrada por novas coletâneas e por leituras públicas em cidades como Belo Horizonte e São Paulo.
Prêmios e reconhecimento internacional
A trajetória de Adélia se reflete em uma lista extensa de premiações, iniciada com o Prêmio Jabuti de Literatura, categoria poesia, conquistado em 1978 com “O coração disparado”. Em 2007, ela recebeu o Prêmio da Academia Brasileira de Letras de Literatura Infantojuvenil pelo livro “Quando eu era pequena”, e, nos anos seguintes, acumulou distinções como o Prêmio Literário da Fundação Biblioteca Nacional, o prêmio Clarice Lispector e o prêmio de Conjunto da Obra do Governo de Minas.
Em 2024, veio a consagração internacional com o Prêmio Camões, principal distinção da literatura em língua portuguesa, que a transformou na primeira escritora mineira e em uma das poucas brasileiras a receber o reconhecimento pelo conjunto da obra, acompanhado de premiação em dinheiro. No mesmo ano, ela também foi agraciada com o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, reforçando o lugar de sua produção no cânone literário nacional.
Principais prêmios de Adélia Prado
| Prêmio | Ano aproximado / Obra ou motivo | Origem / Entidade responsável |
| Prêmio Jabuti (Poesia) | 1978 – “O coração disparado” | Câmara Brasileira do Livro |
| Prêmio ABL Infantojuvenil | 2007 – “Quando eu era pequena” | Academia Brasileira de Letras |
| Prêmio Fundação Biblioteca Nacional | 2010 – literatura (obra de prosa) | Fundação Biblioteca Nacional |
| Prêmio Clarice Lispector | Década de 2010 – prosa feminina | Fundação Biblioteca Nacional |
| Prêmio do Governo de Minas (Conjunto da obra) | 2017 | Governo de Minas Gerais |
| Prêmio Machado de Assis | 2024 – conjunto da obra | Academia Brasileira de Letras |
| Prêmio Camões | 2024 – conjunto da obra | Gov. Brasil / Gov. Portugal |
Criação e sentido
Ao comentar um período de depressão e bloqueio criativo, em entrevista gravada em Ouro Preto para uma série sobre literatura, Adélia descreveu a sensação de “noite escura” em que acreditava não ser mais capaz de escrever um poema, experiência que associa a uma crise de sentido que, segundo ela, “todo mundo deve experimentar alguma hora na vida”. Em outra ocasião, ao criticar a maneira como políticas públicas lidam com o setor cultural, afirmou que cultura não pode ser tratada como luxo, mas como necessidade básica, comparável à alimentação, ao defender que cada nação depende de seus ritmos, danças e rituais para existir plenamente.
Essas falas ajudam a explicar a construção de uma persona literária que concilia religiosidade, crítica social e sensualidade sem concessões, sempre a partir de cenas simples, como o trabalho doméstico, o desejo ou a vida em cidades do interior. A adesão de leitores jovens nas redes sociais, onde seus poemas circulam em perfis dedicados à poesia, é vista por especialistas como consequência direta dessa oralidade e dessa proximidade com o cotidiano, que faz com que um poema possa soar como uma conversa entre a autora e o leitor.
Celebrações pelos 90 anos
Em Divinópolis, a prefeitura e instituições culturais organizam exposições, saraus, rodas de leitura e ações educativas em escolas para marcar os 90 anos da escritora, destacando a transformação da cidade em símbolo da poesia de Adélia. Eventos em centros culturais de Belo Horizonte e São Paulo, como leituras encenadas e encontros com críticos, também entram na programação, reforçando o caráter nacional da celebração.
Além das atividades presenciais, a efeméride motivou especiais em veículos de imprensa, episódios de podcast e publicações comemorativas nas redes, que apresentam a autora a novos leitores e recuperam momentos de sua trajetória como professora e poeta. Aos 90 anos, Adélia Prado continua escrevendo, participando de encontros literários e reafirmando, em sua própria biografia, a ideia de que a literatura pode nascer do ordinário e permanecer viva ao atravessar décadas sem se afastar do cotidiano de quem lê.
