A primeira dama do asfalto

Siria Malta
A mulher subia o morro ofegante. Estava cansada e desiludida daquela vida ingrata. Havia acabado de fazer um programa por apenas cinco reais. Nem ela conseguia acreditar na irrisória quantia que havia cobrado do jovem rapaz. Mas a verdade, é que o garoto era uma graça, a pouco chegado à juventude e com um delicioso cheirinho de perfume fresco. Todavia a quantia recebida mal dava para comprar uma caixa de leite desnatado e com a vida que levava tinha de manter o corpo sempre em dia, já que a clientela de hoje tem muitas opções no mercado. Sem contar com as novinhas, que trocam sexo por drogas e bebida, e os travestis, que em sua maioria, dão de graça.
Tivera uma infância difícil, morava com os pais e seis irmãos no interior de Minas Gerais. Aos sete anos, sofrera abusos sexuais de um tio bêbado, frequentador de zona barata e jogador de truco. Os abusos aconteciam quase diariamente e sob as vistas dos pais que nada faziam para protegê-la. Pois o mau caráter do tio em muito contribuía para as despesas do lar. Se é que aquela tapera pudesse ser chamada de lar.
Aos quatorze anos fora morar na cidade com uma tia velha. A tal tia trabalhava há anos como doméstica na casa paroquial da cidade e diziam as boas línguas que ainda se deitava com o antigo padre. Apesar de que alguns juravam de pés juntos que o octogenário padre Sebastião, gostava mesmo era de cu de sacristão.
A velha tia era hipócrita e mesquinha, controlava todos os passos e o estômago da sobrinha, antes roliça e cor-de-rosa, hoje um amarelo graveto, já que a menina não recebia quase nada para comer, somente restos de comidas e frutas podres.
Tempos depois a menina fugiu da casa da tia e sem ter para onde ir, foi pedir abrigo em uma boate vagabunda às margens da BR 381. E foi lá que aprendeu com êxito o ofício de meretriz.
Passou por várias casas de prostituição, e acabou tomando gosto por essa vida. Tornou-se puta famosa e reinou absoluta na “Casa do prazer”, boate administrada pela gorda mãe Claudete.
Ao longo de sua vida muitos se apaixonaram por ela e por muitos ela se apaixonou. Teve um longo romance com um açougueiro carinhoso e mão aberta. Embora o homem tivesse um odor insuportável de cecê, ele a cobria de mimos e se ela nunca fez um pé de meia foi por falta de juízo. Preferia gastar nos botecos copos sujos nas quais frequentava com as amigas em busca de diversões fugazes.
Foi a partir dos trinta e cinco anos que sentiu que era o momento de mudar de vida, ao mesmo tempo em que inúmeras varizes se alojavam entre suas coxas e o preço de seus boquetes despencavam feito moeda argentina.
Escolheu na sorte uma cidadezinha qualquer, levando na bolsa as magras economias que conseguira juntar nos anos vividos na prostituição. Comprou um barracão de três cômodos nos arredores da cidade, arrumou serviço de garçonete em um restaurante à beira do asfalto e voltou a estudar. Terminou o ensino fundamental e logo depois ingressou no EJA. Após essa etapa concluída entrou numa faculdade de serviços sociais, diplomando-se alguns anos depois. Como mostravam os diversos porta-retratos espalhados pelo barracão. Virou moça recatada e moralista, entrou para a igreja evangélica e fez da bíblia a sua fiel companheira. Fazendo até o nome do pai quando passava diante da famosa boate “Ninho da cobra”.
Em um evento de louvores que aconteceu no parque de exposição da cidade, ela conheceu Edmilson. Um vendedor de rapaduras metido a intelectual e que sonhava em um dia ser vereador. Edmilson candidatou-se por várias ocasiões, mas sem o devido apoio de gente graúda e competente, perdeu em todas as vezes que competiu. A partir daquele encontro no parque de exposição, Edmilson se enamorara da ex-meretriz e poucas semanas depois decidiram assumir compromisso para uma vida inteira. Afinal tinham que constituir uma família, pois é isso que o Deus quer para seus filhos.
Casaram-se seis meses depois e durante este breve tempo de namoro jamais fizeram qualquer coisa que desagradasse os olhos de Jesus. Quer dizer, houve sim, umas passadinhas de mão boba aqui e outra acolá. Afinal ninguém é de ferro. Sem levar em conta que foi no escurinho e Jesus não deve ter visto. Sacrilégio!
Edmilsom casou-se com um antiquado terno engomado e a ex-prostituta entrou na santa igreja ostentando um vestido estilo “noiva virgem”, usou até véu e grinalda, flores brancas e tudo mais! O sermão do pastor foi comovente, nem parecia que casava uma prostituta que já tivera centenas de homens entre suas pernas. E assim deu-se o casamento, regado com muito refrigerante, louvores e música gospel. Aleluia!
Tão logo se aproximaram as eleições daquele ano, Edmilson resolveu se candidatar novamente, mas desta vez alçaria voos mais altos, tentaria a sorte como candidato a prefeito. Disputaria o cargo com um forte candidato, que já era dado como vencedor, pois ele já havia sido prefeito e fizera um bom trabalho pela cidade. Além de ser de família rica e influente. Sua vitória já era dada como certa e por isso ninguém, além de Edmilson ousou a lançar candidatura. Edmilson mais uma vez faria papel de palhaço, servindo somente para ser um mero adversário e virar chacota na boca do povo.
Mas no dia anterior à eleição, uma bomba caiu sobre a cidade. Descobriu-se que o “já eleito” prefeito, estava envolvido com o tráfico internacional de drogas. A polícia através de denúncias anônimas invadiu a casa do candidato e apreendeu mais de oito toneladas de maconha muito bem escondida dentro de uma lareira desativada. Na delegacia já preso e assumindo-se culpado, pediu desculpas à população pela sua fraqueza, declarando-se somente um usuário. Oito toneladas? Quanto a isso os seus advogados teriam de provar. Apesar disso, a população ainda o queria para prefeito. Porém a polícia decidiu encarcerá-lo por longos anos e dali só sairia até que um eficiente advogado provasse a sua inocência. Mas isso ainda levaria um longo tempo já que tráfico era um crime inafiançável.
Agora só restava Edmilson, o que fazer? O vendedor de rapaduras não angariava muitas simpatias, mas a justiça determinou que a eleição do dia seguinte tivesse prosseguimento.
Eduardo o candidato bonitão e traficante, mesmo enclausurado foi reeleito, contando com mais de noventa por cento dos votos válidos da cidade. Nem a influente igreja evangélica conseguiu votos suficientes para eleger Edmilson. Os fiéis da igreja não o viam com bons olhos e esta foi mais uma derrota esmagadora para o pobre caipira que perdeu até para um presidiário.
Mas surpresas ainda estavam por vir. Eis que no dia da posse, Eduardo não foi liberado pela justiça e Edmilson é convocado às pressas para receber a faixa de autoridade máxima, já que foi o único candidato a concorrer com o prefeito preso. Sendo assim, mesmo a contragosto da população, Edmilson é chamado a juízo.
O jacu chegou apressado, trazido pelo moleque Nenel, que foi buscá-lo a pedido do juiz Eugênio de Freitas, para que ele fosse nomeado o mais novo prefeito daquela cidade.
Segurando as calças frouxas e trazendo consigo a ex- meretriz, Edmilsom subiu desajeitado ao palco que havia sido preparado para a posse do prefeito bonitão.
E numa irônica reviravolta do destino o vendedor de rapaduras é empossado prefeito, debaixo de vaias e assobios enfurecidos por aqueles que não o desejavam para líder daquela cidade. Mesmo a contragosto Edmilson recebeu no palco o título de prefeito honorário sendo condecorado pelo juiz Eugênio de Freitas. Abraçado à companheira, que não cabia em si de tanto orgulho e já inebriada pelo sabor do poder. Passara por tantos bordéis, sofrera tantas humilhações. E ali estava ela, radiando soberba ao lado do marido prefeito.
De puta a primeira dama tivera de percorrer um árduo caminho. E então lembrou-se em quando fizera um programa por cinco reais para poder tomar um copo de leite desnatado.
Parece que foi ontem.
Dê ao homem poder, e descobrirá quem ele realmente é.
Maquiavel![]()