A verborragia intolerante do altar: padre questiona orixás e escancara preconceito religioso

Religioso usa morte de Preta Gil para atacar religiões de matriz africana e ignora escândalos da própria Igreja

O padre Danilo César, Preta Gil – Reprodução – Arte RMC
Luciano Meira

Durante uma missa transmitida ao vivo na cidade de Areial, Paraíba, o padre Danilo César não apenas afrontou os princípios constitucionais de respeito à liberdade de culto, mas desceu ao mais rasteiro preconceito ao questionar, em tom de escárnio: “Cadê esses orixás que não ressuscitaram Preta Gil?”. O episódio, que viralizou nas redes sociais e já é alvo de investigação policial por intolerância religiosa, revela o quanto ainda há de ignorância, arrogância e preconceito travestidos de fé no discurso de certos religiosos católicos.O padre Danilo foi além do deboche. Associou práticas de religiões afro-brasileiras à doença e à morte, chegando ao absurdo de afirmar que pessoas “consagradas a essas entidades” estariam fadadas a um fim trágico, fazendo do altar — supostamente um espaço de acolhimento e amor — palco para a mais baixa disseminação de ódio e desinformação. Não por acaso, entidades de Umbanda, Candomblé e Jurema reagiram com indignação, formalizando denúncia junto à polícia e ao Ministério Público por prática de intolerância religiosa, cuja pena, aliás, está prevista em lei.

Enquanto cospe intolerância do púlpito, o sacerdote foge sistematicamente das mazelas da própria casa: nunca se vê padre midiático desses discursando com sua verborragia sobre os inúmeros casos de pedofilia que mancharam e ainda mancham a história da Igreja Católica. Escândalos sexuais envolvendo padres, freiras e autoridades eclesiásticas, muitos deles comprovadamente acobertados pela instituição, atingem milhares de vítimas em todo o mundo e também no Brasil — e continuam sendo, em sua maioria, abafados ou “varridos para debaixo do tapete”. Onde estão os sermões indignados sobre isso?

O comportamento do padre Danilo ecoa uma postura histórica de setores da Igreja que, sob o pretexto de zelo doutrinário, disseminam preconceitos contra religiões de matriz africana, frequentemente acompanhados de silêncio obsequioso diante dos próprios escândalos e crimes internos. Num país marcado pela diversidade religiosa e pelo sincretismo — inclusive entre catolicismo e cultos afro-brasileiros —, tal atitude não é só intolerante, mas desonesta. Ignora que a Constituição garante liberdade religiosa a todos e que respeito não se exige apenas para si.

Em vez de destilar veneno contra pais e filhos de santo, talvez o padre devesse reservar sua prolixidade para discutir, com a mesma ênfase, o sofrimento das vítimas do abuso clerical — especialmente das crianças, tão frequentemente relegadas ao esquecimento para proteger reputações e cofres da instituição.

No púlpito da arrogância, o que se vê são frases de efeito, julgamentos alheios e nenhum autoconhecimento. Se há algo que precisa, de fato, “ressuscitar” na Igreja de Danilo César, é a humildade, a autocrítica e, principalmente, o respeito à dignidade humana — seja ela católica, umbandista, candomblecista, ou simplesmente cidadã.

O Metropolitano

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