Anvisa libera registro da vacina brasileira contra dengue do Butantan
Imunizante de dose única será exclusivo do SUS e promete reduzir formas graves da doença a partir de 2026

Luciano Meira
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou nesta segunda-feira (8) o registro da Butantan-DV, vacina contra a dengue desenvolvida pelo Instituto Butantan, passo que libera a produção em escala e a oferta do imunizante pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em todo o país a partir de 2026. O produto, 100% desenvolvido e fabricado no Brasil, é aplicado em dose única e apresentou cerca de 75% de eficácia global contra casos sintomáticos e quase 90% de proteção contra formas graves da doença, segundo dados de estudos clínicos de fase 3. A expectativa do Ministério da Saúde é incorporar a vacina ao calendário nacional de imunização e utilizá-la como ferramenta central no enfrentamento às epidemias recorrentes de dengue, que têm pressionado hospitais e serviços de emergência em todo o país.
O que foi decidido
Com a publicação no Diário Oficial da União, a Anvisa concluiu o processo regulatório da vacina do Butantan e autorizou sua produção e comercialização no Brasil. O imunizante será oferecido exclusivamente pelo SUS, o que significa que a aplicação deverá ocorrer prioritariamente em campanhas e na rotina das salas de vacinação da rede pública.
A agência definiu, neste primeiro momento, que a vacina é indicada para pessoas de 12 a 59 anos, faixa etária que concentra grande parte das internações e óbitos por dengue no país. A possibilidade de ampliar o público para outras idades dependerá de novos estudos apresentados pelo Butantan ao longo dos próximos anos.
Como é a vacina do Butantan
A Butantan-DV é feita com vírus vivo atenuado, tecnologia já usada em outras vacinas de rotina, como a da febre amarela, considerada segura e eficaz. O imunizante contém versões enfraquecidas dos quatro sorotipos do vírus da dengue, o que permite induzir proteção ampla contra diferentes variantes da doença.
Ao contrário de outras vacinas que exigem duas doses, a formulação do Butantan foi desenvolvida para ser aplicada em dose única, sem necessidade de reforço em curto prazo. Estudos clínicos mostraram resposta imunológica robusta tanto em pessoas que nunca tiveram dengue quanto naquelas que já foram infectadas anteriormente.
Eficácia, segurança e impacto esperado
Nos ensaios de fase 3, que acompanharam mais de 16 mil voluntários em 14 estados brasileiros, a vacina registrou eficácia global de cerca de 74,7% contra dengue sintomática na faixa de 12 a 59 anos. Em relação às formas graves e com sinais de alarme, a proteção chegou a aproximadamente 89% e, em alguns recortes dos estudos, a 91,6%, além de prevenção praticamente total de hospitalizações relacionadas à doença.
O perfil de segurança foi considerado favorável pela Anvisa, com reações adversas em geral leves a moderadas, como dor e vermelhidão no local da aplicação, dor de cabeça e fadiga, com raros eventos graves e recuperação completa dos pacientes. Especialistas destacam que os índices de eficácia superam com folga o patamar mínimo recomendado por organismos internacionais, que é de 50% de proteção global para que uma vacina seja aprovada.
Diferenças em relação à Qdenga
Até agora, o Brasil contava principalmente com a Qdenga, vacina produzida pela farmacêutica japonesa Takeda e já incorporada ao SUS em esquema de duas doses com intervalo de três meses. Tanto a Qdenga quanto a Butantan-DV utilizam vírus atenuado e têm como objetivo proteger contra os quatro sorotipos da dengue, embora usem composições diferentes na plataforma vacinal.
A grande diferença é que a Butantan-DV é a primeira vacina de dose única contra dengue aprovada no mundo e tem produção integralmente nacional, o que reduz a dependência de importações e facilita o abastecimento do programa público. A coexistência das duas vacinas tende a ampliar a capacidade do país de montar estratégias de vacinação por faixa etária e risco, principalmente em regiões com histórico de epidemias repetidas.
Principais diferenças entre vacinas contra dengue
| Aspecto | Butantan-DV (Butantan) | Qdenga (Takeda) |
| Origem | Produção 100% nacional no Instituto Butantan | Vacina desenvolvida por farmacêutica japonesa |
| Esquema de doses | Dose única, sem reforço imediato | Duas doses, com intervalo de três meses |
| Faixa etária inicial | 12 a 59 anos, exclusiva no SUS | A partir de 4 anos até 60 anos, já disponível no SUS |
| Tecnologia | Vírus vivo atenuado com quatro sorotipos | Vírus atenuado baseado no sorotipo 2, com proteção ampla |
| Eficácia global (sintomática) | Cerca de 74–80% em estudos de fase 3 | Cerca de 63% para doença sintomática em longo acompanhamento |
| Proteção contra formas graves | Aproximadamente 89–91% de proteção contra casos graves e com sinais de alarme | Cerca de 85% de proteção contra internações |
Quando a população começará a ser vacinada
O Ministério da Saúde informou que a intenção é iniciar a aplicação da Butantan-DV em 2026, dentro do Programa Nacional de Imunizações (PNI), de forma gratuita. A pasta ainda vai definir quais regiões e grupos terão prioridade, o que deve considerar indicadores como histórico de epidemias, número de casos graves e capacidade de distribuição de doses.
Segundo o Butantan, cerca de 1 milhão de doses já estão prontas para entrega, e a previsão é alcançar mais de 30 milhões de unidades produzidas até meados de 2026. O instituto firmou parceria com uma empresa chinesa para ampliar a capacidade fabril, buscando garantir oferta contínua em caso de aumento da demanda nacional.
Por que o registro é importante
A dengue é uma das arboviroses de maior impacto no Brasil, com milhões de casos notificados e sucessivos surtos que lotam pronto-socorros e aumentam a mortalidade, sobretudo entre pessoas com comorbidades. Até então, o país dependia de vacinas importadas e de um conjunto de medidas como combate ao mosquito Aedes aegypti, uso de repelentes e ações de limpeza urbana, que, isoladamente, não têm sido suficientes para evitar as grandes ondas de transmissão.
A chegada de uma vacina nacional de dose única amplia as ferramentas para o controle da doença e tende a facilitar campanhas em larga escala, já que dispensa a necessidade de retorno para uma segunda dose. Especialistas avaliam que, combinada ao controle do vetor e à vigilância epidemiológica, a imunização pode reduzir significativamente hospitalizações, óbitos e os custos sociais e econômicos associados à dengue.
Próximos passos e monitoramento
Mesmo com o registro concedido, o Butantan terá de continuar estudos adicionais para acompanhar, por períodos mais longos, a duração da proteção, a eficácia diante de diferentes sorotipos e o desempenho em subgrupos específicos da população. A Anvisa também determinou o monitoramento ativo de eventuais eventos adversos após o início da vacinação em massa, rotina padrão para novos imunizantes incorporados ao SUS.
A pasta da Saúde e governos estaduais devem, agora, organizar campanhas de comunicação para explicar à população quem pode receber a vacina, quais são seus benefícios e por que mesmo vacinados os cidadãos devem manter medidas de prevenção ao mosquito. A orientação de especialistas é que a vacinação seja vista como um complemento essencial, e não substituto, das ações de controle ambiental e cuidados individuais.
