Da redação – Agências
A coleta de filhotes e de ovos de papagaios-verdadeiros (Amazona aestiva) no Cerrado brasileiro por traficantes de animais é um dos crimes ambientais mais previsíveis no país. Há décadas, entre agosto e novembro, período reprodutivo da espécie, quadrilhas recolhem dos ninhos as aves recém-nascidas para abastecer o mercado ilegal de bichos de estimação. Não há dados precisos que indiquem a quantidade de aves que perdem a liberdade ou morrem nesse processo, mas sabe-se que são milhares todos os anos.
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Pelo menos para a Região Metropolitana de São Paulo, é estimado que mais de 12 mil filhotes entram anualmente para atender o comércio ilegal. Considerando que muitos filhotes morrem nas diferentes fases desse ato ilegal, que envolve a captura nos ninhos, a manutenção em recipientes insalubres e o transporte inadequado, e que a fiscalização não consegue interceptar a maioria dos filhotes pegos ilegalmente na natureza, estima-se que os animais que chegam para ser comercializados representem apenas uma pequena parcela do total de papagaios-verdadeiros retirados da natureza.
Os papagaios-verdadeiros estão classificados na categoria “espécie quase ameaçada” na Lista Nacional Oficial de Espécies da Fauna Ameaçadas de Extinção e pela União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN, na sigla em inglês). Esta categoria é atribuída às espécies que estão próximas ou apresentam grande probabilidade de chegarem ao status de ‘ameaçada de extinção’.
A Amazona aestiva é uma das espécies contempladas no Plano de Ação Nacional para Conservação dos Papagaios (PAN Papagaios) do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Ela é apontada como a mais traficada entre as seis espécies incluídas no PAN, é a mais visada pelo comércio ilegal entre as 12 de papagaios nativos do país. Isso se deve a sua fama de ‘melhor falador’ quando comparada às demais espécies, característica que gerou a sua denominação como papagaio-verdadeiro.
O tráfico de fauna é uma das principais ameaças aos papagaios-verdadeiros. Eles também sofrem com a destruição e a descaracterização de seu habitat promovidas por desmatamento, queimadas e ampliação de pastagens e áreas agrícolas, além da caça por represália de agricultores desgostosos pelos danos gerados às plantações pelas aves.
Como agem os traficantes
Além de viverem no Cerrado, os papagaios-verdadeiros são encontrados na Caatinga, no Pantanal e na Mata Atlântica. Vivem em estados do Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste. Aves da espécie também habitam áreas da Bolívia e do Paraguai.
Atualmente, o Cerrado é o epicentro do tráfico da espécie no Brasil, sendo o Mato Grosso do Sul o estado que considera essa atividade ilegal um de seus maiores problemas ambientais. As quadrilhas também agem em Mato Grosso, Goiás, Tocantins, Minas Gerais, Maranhão, sul do Piauí e oeste da Bahia.
A partir de pesquisas identificou-se que, em geral, a postura dos ovos ocorre em agosto, os nascimentos em setembro e o voo dos jovens em novembro. Essa sazonalidade bem definida e o fato de os casais de papagaios-verdadeiros sempre buscarem as mesmas árvores para botar seus ovos e cuidar dos filhotes recém-nascidos permitem aos traficantes de animais um bom planejamento de suas atividades, bem como pouco esforço para recolherem suas “mercadorias”. No caso do Mato Grosso do Sul, cerca de um mês antes dos nascimentos, os criminosos se dirigem à região da divisa do estado com os territórios paulista e paranaense, onde acertam com sitiantes, assentados, trabalhadores rurais e outros moradores o preço pelos filhotes e os detalhes para a retirada deles.
A coleta das aves é mais intensa nos municípios de Jateí, Batayporã, Bataguassu, Ivinhema, Novo Horizonte do Sul, Anaurilândia, Santa Rita do Pardo, Nova Andradina, Brasilândia, Naviraí e Mundo Novo.
Os apanhadores de filhotes recebem entre R$ 25 e R$ 40 por cada um. As pequenas aves, boa parte ainda sem penas e com olhos fechados, são armazenadas escondidas na mata, nos assentamentos ou nas próprias casas dos moradores que se envolvem com o tráfico de fauna. Elas são levadas para fora do estado em carros pequenos, onde viajarão por horas amontoadas em caixas, com pouca ventilação e água.
A maior parte dos filhotes do Mato Grosso do Sul tem como destino a Região Metropolitana de São Paulo. Uma parcela menor segue para o Paraná. Há também aves coletadas no Cerrado de outros estados são destinadas para o Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Brasília. Em território paulista, as aves são oferecidas em feiras de rua e pela internet por preços que variam de R$ 200 a R$ 450 cada. Uma ave legalizada custa mais de R$ 3 mil.
O tráfico de ovos também é um fenômeno conhecido, mas não há registros de apreensões por serem mais facilmente escondidos pelos bandidos. Em geral, eles são destinados ao mercado internacional pela facilidade de transporte, já que papagaios vivos são barulhentos e exigem mais espaço e cuidados.
Ações de fiscalização
Para tentar coibir a ação dos traficantes, a Polícia Militar Ambiental do Mato Grosso do Sul tem diferentes estratégias. Os policiais passam nas propriedades que têm papagaios se reproduzindo para orientar moradores e vizinhos a não se envolverem com os traficantes de animais que encomendam os filhotes, patrulham áreas com ninhos que sejam possíveis de serem acessadas, montam bloqueios nas estradas rurais e monitoram, a partir de um banco de dados, moradores que já trabalharam para as quadrilhas.
Do efetivo de 330 policiais ambientais da PM do Mato Grosso do Sul, 25 são destacados para atuarem na repressão ao tráfico de filhotes. Os trabalhos são realizados a partir de levantamentos dos setores de inteligência da Polícia Militar. Apesar de o trabalho ser feito há anos, grande quantidade de filhotes ainda é retirada.
Consequências do tráfico
A redução da população de papagaios-verdadeiros pela ação dos traficantes de animais não é resultado somente da retirada constante de filhotes e ovos. Para essas aves, os ninhos são os ocos e as cavidades existentes nos troncos de árvores como a bocaiuva ou o jerivá que, não raramente, são danificados durante sua ação. Cada vez mais há menos cavidades disponíveis para a reprodução da espécie. O resultado disso tudo é que muitas populações naturais de papagaios-verdadeiros podem estar diminuindo ou envelhecendo.
Com menos aves cumprindo suas funções ecológicas, existe a possibilidade de ocorrer alterações e desequilíbrios nos ecossistemas onde vivem.
Outro problema é a possibilidade da transmissão de zoonoses, as doenças transmitidas por animais aos humanos. No caso dos papagaios-verdadeiros, pode-se destacar a psitacose, enfermidade endêmica no Brasil, de diagnóstico complexo e que pode causar pneumonia nas pessoas, levando-as à morte.
Um mercado incentivado pela cultura
Desde a chegada dos portugueses no Brasil, no século 16, papagaios são criados como animais de estimação no país. A atração por essas aves está na interação delas com as pessoas e no potencial de imitarem a voz humana. Até 1967, quando entrou em vigor a Lei nº 5.197, o Estado brasileiro pouco atuou na regulamentação da captura, comércio e criação de animais silvestres como bichos de estimação.
Atualmente, existem no Brasil diversos criadores comerciais legalizados de papagaios-verdadeiros. De acordo com o relatório Crueldade à Venda – O problema da criação de animais silvestres como pet, lançado em 2019 pela ONG Proteção Animal Mundial, dos 246 criadouros comerciais legalizados de aves nativas do país, 74 reproduzem e vendem Amazona aestiva. Ainda assim, o tráfico de aves da espécie é intenso, sendo o oitavo animal mais traficado do país.