Entre bravatas e bloqueios fantasmas: Zé Trovão ameaça, mas caminhoneiros recusam servir de massa de manobra
Líder chorão barra greve política enquanto clima é outro: o temor real vem de uma Polícia Rodoviária Federal que deixou de ser “aliada” e agora põe tornozeleira nos próprios agentes

Luciano Meira
O deputado federal Zé Trovão (PL-SC) voltou a ensaiar a velha ameaça de paralisar caminhões nas estradas, desta vez para protestar contra as medidas restritivas do ministro Alexandre de Moraes ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Sua insinuação, feita já em clima de manobra, ecoa nas fileiras bolsonaristas, mas encontra resistência entre os próprios líderes do setor: Wallace Landim, o “Chorão”, rejeitou qualquer mobilização da categoria por causas alheias às pautas dos caminhoneiros, dizendo com todas as letras que não será massa de manobra a serviço de interesses políticos.A posição de Chorão, celebrada por parte significativa da categoria, evidencia que nem todo mundo nos caminhões aceita ser peça de xadrez de guerra ideológica. O argumento é simples e duro: protestos só em defesa de direitos próprios, nunca para atender articulação de gabinete parlamentar — ainda mais quando há risco de ver a categoria na linha de tiro da lei.
A ousadia de Zé Trovão talvez esbarre agora na memória recente de quem viveu o segundo turno da eleição de 2022, quando estradas do Nordeste e Norte foram tomadas por blitze da Polícia Rodoviária Federal (PRF) que, em desobediência às ordens do Tribunal Superior Eleitoral, bloquearam a passagem de mais de 2 mil ônibus, dificultando a chegada de eleitores de Lula às urnas. À época, a PRF era comandada por figuras de confiança de Bolsonaro: o diretor-geral Silvinei Vasques, a diretora de Inteligência Marília Ferreira de Alencar e o diretor de operações Fernando de Sousa Oliveira, todos hoje réus, processados e — ironia das ironias — Silvinei foi obrigado a usar tornozeleira eletrônica, além de ter passado um tempo na cadeia por usar a corporação como apêndice político, e não como polícia republicana.
A situação é, digamos, curiosa para o dirigente bolsonarista da categoria: insistir numa paralisação em tempos de uma PRF “turbinada” para trabalhar sob comando do Estado democrático — e não mais de interesses eleitorais ilícitos — soa, no mínimo, como coragem seletiva ou prudência súbita. Afinal, desrespeitar a nova Polícia Rodoviária Federal, que presenteia até diretor com tornozeleira eletrônica, não parece um bom negócio para quem teme sair da boleia direto para a Papuda.
Enquanto Zé Trovão faz bravata, líderes sérios evitam expor os caminhoneiros a prejuízos jurídicos e financeiros. Se o dirigente recua, talvez não seja pura precaução democrática, mas receio de que, desta vez, a Polícia Rodoviária Federal não vai só fazer vista grossa ou posar em selfie com bloqueadores: agora, quem brinca com bloqueio em nome de político inelegível pode ganhar carona num camburão — com tornozeleira de brinde.
Silvinei Vasques: ex-diretor da PRF, preso e hoje com tornozeleira eletrônica, réu por obstrução do processo eleitoral.
Marília Ferreira de Alencar: ex-diretora de Inteligência da PRF, indiciada no mesmo inquérito.
Fernando de Sousa Oliveira: ex-diretor de Operações, também implicado na trama dos bloqueios pró-Bolsonaro.
Ao contrário do passado recente, não faltam motivos para que os líderes tratem a nova PRF com respeitosa distância — e certo temor. O tempo em que a lei era dobrada para “ajudar” o governo ficou para trás.