Fux absolve Bolsonaro após STF condenar 638 envolvidos no golpe

Enquanto o Supremo avança na condenação histórica de centenas de ‘peixinhos’ envolvidos no ataque à democracia, ministro Fux blinda "tubarões"

Ministro Luiz Fux – Reprodução Redes Sociais
Luciano Meira

O Supremo Tribunal Federal (STF) divulgou em agosto de 2025 um novo balanço das responsabilizações pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, quando manifestantes invadiram e depredaram os prédios da Praça dos Três Poderes, em Brasília. Até aquele momento, 638 pessoas foram julgadas e condenadas por crimes relacionados aos eventos, que vão desde associação criminosa armada, tentativa de golpe de Estado até dano qualificado ao patrimônio público. Além disso, outras 552 pessoas firmaram acordos com o Ministério Público Federal (MPF) para evitar ações penais, mediante cumprimento de condições, enquanto apenas 10 foram consideradas inocentes.

Entre os condenados, chamados de malucos por Bolsonaro estão, por exemplo, a ‘Fátima de Tubarão’ e a ‘Débora do batom’, há distinção importante entre penas aplicadas para crimes graves e menores. Dos 638 condenados, 279 receberam penas por delitos considerados graves, que podem ultrapassar 17 anos de prisão. Já 359 foram punidos por crimes de menor potencial, como incitação e associação criminosa.Mas eis que o ministro Luiz Fux resolve dar uma guinada digna de roteiro de filme de suspense. Apesar de já ter participado do julgamento das centenas de “peixinhos” condenados — ou seja, a multidão que participou dos atos — Fux agora tenta derrubar tudo na discussão dos “tubarões” da trama, entre eles o próprio ex-presidente Jair Bolsonaro. Quem esperava que ele se somasse à maioria e fortalecesse a punição aos líderes do golpe, se depara com um voto que mais parece mágica: ele alega que o STF é incompetente para julgar o caso e que o processo deve ser anulado.

Ou seja, para Fux, todos os esforços acumulados durante meses de investigação e julgamento valem menos que um passe de mágica, desconsiderando a montanha de provas e, de quebra, poupando o ex-presidente Bolsonaro de todas as cinco acusações que pesam contra ele. Os únicos condenados por Fux nessa novela são Braga Netto e Mauro Cid, por apenas um crime — quase uma condenação simbólica que, no fundo, parece mais um jabuti do que uma punição exemplar.

Nas palavras dele, o Supremo não deveria julgar o caso, pois, segundo sua lógica, não haveria foro privilegiado e, portanto, a competência seria da primeira instância – mesmo tendo aceitado anteriormente a denúncia contra Bolsonaro e outros réus no STF. Fux, ainda, protegeu Bolsonaro e os demais integrantes do Núcleo Crucial, alegando cerceamento das defesas por causa da vastidão das provas produzidas, um argumento que soa como desculpa para se esquivar do mérito.

A contradição é evidente e já rendeu críticas que apontam uma flagrante disparidade: para os pequenos e médios réus o STF é rigoroso e implacável; para os grandes, há súbita incompetência da Corte. Nada mais conveniente para quem quer escapar da punição máxima.

Após mais de 13 horas de voto, o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, surpreendeu ontem ao evitar mencionar a hierarquia e jogou para escanteio a tese de cadeia de comando, como se os fatos houvessem acontecido espontaneamente — para desgosto dos fatos e da inteligência comum.

Na berlina da Primeira Turma do STF, estavam oito personagens centrais do golpe frustrado, todos acusados de cinco crimes graves: golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado, organização criminosa armada e deterioração de patrimônio tombado. Eis o resumo da ópera:

Jair Bolsonaro: Absolvido. Segundo Fux, o ex-presidente “apenas cogitou medidas de exceção” e nada aconteceu, logo, nada a punir. Acusações de comando ou liderança foram, nas palavras do ministro, “ilações”. O principal beneficiário da trama, claro, foi colocado como mero espectador, como quem passa por uma avenida e encontra um protesto por acaso.

Walter Braga Netto (General, ex-ministro da Defesa e candidato a vice em 2022): Condenado por tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Fux reconheceu participação ativa no planejamento da trama, mas absolveu dos demais crimes.

Mauro Cid (Tenente-coronel, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro): Condenado pelo mesmo crime que Braga Netto, por seu papel operacional na coordenação dos atos, apesar da colaboração premiada. Prevaleceram as provas diretas do envolvimento.

Alexandre Ramagem (Deputado e ex-diretor da Abin): Absolvido. Para Fux, suas mensagens sobre as urnas eletrônicas seriam deploráveis, mas não configurariam crime. Cartinhas raivosas ao patrão não têm poder subversivo — se não forem enviadas.

Almir Garnier (Almirante, ex-comandante da Marinha): Absolvido por pretensa falta de provas de atuação deliberada na trama.

Anderson Torres (Ex-ministro da Justiça e ex-secretário de segurança do DF): Absolvido sob a mesma lógica da falta de provas concretas.

Augusto Heleno (General, ex-ministro do GSI): Absolvido, pois “cogitar não é agir”, segundo a nova leitura jurídica de Fux sobre reunião ministerial golpista.

Paulo Sérgio Nogueira (General, ex-ministro da Defesa): Absolvido. Fux não viu elementos que configurassem a participação efetiva nos crimes.

Fux não só ignorou que Bolsonaro, afinal, era o único grande beneficiado caso a trama desse certo — tornando a tese de “ação espontânea” no mínimo folclórica —, como reinterpretou o conceito de dolo, nexo causal e prova. Segundo esse novo manual, se o grupo não sair uniformizado da sala de guerra, cada um age sozinho e, surpreendentemente, ninguém é “chefe”. Bolsonaro, por essa lógica, nunca seria favorecido pelo resultado, e ali estava só para checar a lista do pão.

O voto de Fux preferiu livrar o chefe e culpar os executores, encarnando a velha máxima da política nacional: “manda quem pode, obedece quem tem juízo… e paga quem não tem foro privilegiado”. Refutou-se a cadeia de comando militar, a estratégia comum e até a lógica aritmética — afinal, o zero à esquerda continuou no topo, ileso.

Fux operou como maestro de uma orquestra desafinada, onde todos tocam juntos, mas nenhum é o regente.

O voto de Fux, portanto, não é apenas uma divergência técnica, mas um ato que gera descrédito ao processo e ameaça a luta contra a impunidade dos líderes do golpe. Enquanto o país celebra as condenações históricas, Fux disponibiliza um atalho para que cabeças maiores escapem do julgamento moral e legal que merecem, se não neste momento, no futuro que onde suas teorias poderão ser usadas para recursos e outras manobras das defesas.

Neste cenário, o Supremo se vê diante do desafio de garantir que a justiça alcance todos os níveis da cadeia golpista, não apenas os “peixinhos”. A esperança agora, recai sobre os demais ministros — Carmen Lúcia e Cristiano Zanin — que ainda votarão, para impedir que a democracia brasileira não seja refém de artimanhas que blasfemam a lei e a verdade.

O Metropolitano

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