Justiça à Força: Tentativa de despejo em quilombo de Congonhas choca comunidade

Mandado de desocupação mobiliza resistência e coloca saúde de idosos quilombolas em risco

Reprodução Redes Sociais
Luciano Meira

A manhã desta terça-feira, 15 de julho, ficou marcada pela dura tentativa de execução de mandados de despejo no Quilombo Santa Quitéria, em Congonhas (MG). Oficiais de justiça, acompanhados de representantes da mineradora CSN, compareceram à comunidade determinada a entregar ordens de desocupação, sob a justificativa de desapropriação para expansão minerária. A operação impôs, com insensibilidade burocrática, um prazo implacável de 15 dias para que famílias históricas abandonem seus lares – alguns dos quais são fruto de mais de 90 anos de trabalho comunitário e ancestralidade.

Entre os casos mais emblemáticos, está o do casal João Batista de Paula, de 74 anos, e Maria Geralda de Paula, de 66. Ao receberem a investida oficial em seu Sítio São Geraldo, foram surpreendidos por uma ordem para abandonar a casa onde criaram filhos, netos e uma história de luta pelo território. Sob tamanho estresse, João Batista passou mal e precisou receber atendimento médico, ilustrando tragicamente o impacto físico e emocional de medidas judiciais que desconsideram a dignidade e a vulnerabilidade de idosos quilombolas.O episódio evidencia o choque entre interesses econômicos de grandes empresas e os direitos fundamentais das comunidades tradicionais. O silêncio ou a complacência diante de tais injustiças seria cúmplice do apagamento de memórias, histórias de luta e modos de vida que sustentam a identidade nacional. A postura adotada nesta terça-feira, sobretudo frente à situação do casal de idosos, revela a urgência em repensar práticas judiciais que privilegiam o lucro e o progresso a qualquer custo, negligenciando valores humanos e sociais que deveriam ser inegociáveis.

O Decreto nº 496/2024, assinado pelo governador Romeu Zema, autorizou a CSN Mineração S.A. a desapropriar 261 hectares para a expansão da Mina Casa de Pedra e a instalação de pilhas de rejeitos filtrados (estéril). Embora o governo afirme que a área não inclui moradias da comunidade, os moradores relatam impactos diretos e iminentes.

A justificativa legal usada pelo governo Zema se baseia no Decreto-Lei Federal nº 3.365/1941, que considera a mineração como atividade de utilidade pública.

A tentativa de retirada, longe de ser silenciosa, desencadeou uma onda de comoção e resistência. Moradores da comunidade, apoiadores e movimentos sociais se uniram em manifestação, impedindo, ao menos hoje, o desenrolar do despejo. Imagens que circulam nas redes sociais capturaram não apenas a violência institucional do processo, mas também a força coletiva do clamor por justiça e respeito à tradição quilombola.

A luta do Quilombo Santa Quitéria é símbolo de resistência frente ao avanço do capital sobre vidas – e, principalmente, sobre vidas que carregam a herança da injustiça secular e da superação quotidiana. Cada dia de permanência no território conquistado é, para muitos, uma vitória contra a indiferença e o esquecimento.

Deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT-MG) – Foto: Arquivo RMC

A deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT) ao ser informada dos acontecimentos imediatamente manifestou-se e adotou medidas práticas em defesa da comunidade quilombola “A situação é gravíssima. Minha primeira medida foi apresentar um projeto de resolução para revogar o decreto de utilidade pública para fins de desapropriação. Estou batalhando para que esse projeto tramite na Assembleia Legislativa. É importante destacar que se trata de uma medida inédita tomada pelo governador — ao delegar a uma empresa privada o poder de desapropriação.
Já acionamos o Ministério Público Estadual e a Defensoria Pública para que acompanhem o caso e garantam a proteção da comunidade, considerando que estamos falando de uma comunidade quilombola. Também acionamos o Ministério Público Federal, que tem competência para atuar na defesa de populações tradicionais sujeitas a violações de direitos e às violências promovidas pela CSN.
Além disso, é urgente reconhecer que não existe legislação específica sobre segurança das pilhas de estéril — justamente o tipo de estrutura para o qual está sendo desapropriada essa região. Essa lacuna normativa deixa as comunidades à mercê de diversos riscos e inseguranças. O governo de Minas atua claramente em favor dos interesses de grupos econômicos privados e abandona a proteção da sua própria população, impondo à comunidade não apenas o sofrimento da desapropriação, mas também o risco ambiental e social extremo decorrente da falta de regulamentação mínima sobre pilhas de estéril” disse a deputada.

O que é Pilha de Estéril?

A Pilha de Estéril é uma estrutura comum na mineração usada para armazenar materiais que não têm valor econômico, mas que precisam ser removidos para acessar o minério útil.

O que é o “estéril”?

É o material que fica entre a superfície do solo e o minério, como areia, terra e rochas. Apesar de não conter minério aproveitável, ele precisa ser retirado para viabilizar a lavra.

Como funciona a pilha de estéril?

O estéril é empilhado em áreas próximas à mina, formando grandes montes. Essas pilhas são planejadas e construídas com critérios técnicos para garantir estabilidade e segurança. Diferente das barragens de rejeitos, não armazenam água, o que reduz o risco de acidentes como rompimentos.

O que é importante?

Uma boa gestão dessas pilhas ajuda a minimizar impactos ambientais, como erosão e contaminação do solo. Também é essencial para a segurança das operações e das comunidades próximas.

O Metropolitano

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