PL da Dosimetria pode aliviar penas e atingir criminosos comuns, apontam especialistas

Projeto aprovado na Câmara para reduzir punição de condenados pelo 8 de Janeiro abre brecha para progressão mais rápida de regime e redução de penas em crimes sem relação com golpe de Estado, segundo juristas

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Luciano Meira

O chamado PL da Dosimetria, aprovado na Câmara dos Deputados como alternativa à anistia para condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, tem potencial para beneficiar criminosos comuns ao flexibilizar regras de cálculo de penas e progressão de regime, afirmam especialistas em direito penal e execução penal. Embora o relator e defensores da proposta insistam que o texto mira apenas os réus do 8 de Janeiro, juristas ouvidos por veículos públicos e privados sustentam que a redação altera dispositivos gerais do Código Penal e da Lei de Execução Penal, com efeitos que se estendem a uma ampla gama de delitos. O projeto segue agora para análise do Senado, onde deve passar pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) antes de ir ao plenário.

O que é o PL da Dosimetria

O PL da Dosimetria foi aprovado na Câmara em votação na madrugada, por 291 votos a 148, como resposta política à pressão da base bolsonarista pela redução de penas de Jair Bolsonaro e de outros condenados por tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Em vez de anistia ampla, o texto reconfigura o modo de calcular penas e de aplicar a progressão de regime, mexendo em regras estruturais que valem para todo o sistema penal, e não apenas para casos ligados ao 8 de Janeiro.O projeto altera o Código Penal ao determinar que, quando houver condenação pelos dois crimes usados pelo STF nos processos do 8 de Janeiro, deixa de haver soma integral das penas: passa a prevalecer apenas a pena mais grave, com possibilidade de redução adicional. Paralelamente, modifica a Lei de Execução Penal ao fixar novos percentuais mínimos de cumprimento de pena para que o condenado possa progredir de regime, em vários casos com frações menores do que as em vigor desde o pacote anticrime de 2019.

O que é dosimetria

Embora o termo “dosimetria” seja tecnicamente incorreto no contexto do projeto de lei aprovado na Câmara, parlamentares e debatedores o adotam de forma coloquial para designar as regras de cálculo e individualização de penas no Código Penal, que incluem agravantes, atenuantes e causas de aumento ou diminuição da punição final. Na prática jurídica, dosimetria refere-se ao método matemático e criterioso pelo qual o juiz dosimetra – ou mede – a pena base e aplica os fatores previstos em lei para chegar ao total, mas o PL em questão vai além ao interferir diretamente nas frações para progressão de regime e na soma de penas concorrentes, o que especialistas consideram uma distorção do conceito original em prol de benefícios legislativos pontuais. Essa impropriedade terminológica, segundo juristas, reflete a pressa política em rotular a proposta como mera “ajuste técnico”, quando na verdade ela altera substancialmente a execução penal para diversos crimes.

Como o texto pode beneficiar criminosos comuns

Juristas ouvidos por órgãos de imprensa apontam que o PL reduz “sensivelmente” o tempo necessário para progressão de regime em comparação com o sistema atual, especialmente para crimes comuns não violentos. Em linhas gerais, o texto tende a padronizar o marco básico de progressão em torno de um sexto da pena para boa parte dos crimes, reservando percentuais mais altos a um conjunto restrito de delitos violentos ou hediondos, o que afrouxa regras criadas para endurecer o tratamento penal em 2019.

Na prática, especialistas calculam que condenados por crimes como roubo ou corrupção ativa poderão avançar para regimes mais brandos em prazo significativamente menor. Um dos exemplos citados é o de réus hoje obrigados a cumprir cerca de 40% da pena antes da progressão, que poderiam passar a avançar após algo em torno de 25%, encurtando anos de permanência em regime fechado ou semiaberto. Outra crítica recorrente é que o texto cria uma espécie de contradição com propostas paralelas, como o chamado “PL Antifacção”, que endurece a progressão para integrantes de facções criminosas, enquanto o “PL da dosimetria” afrouxa o regime para outros condenados.

O argumento dos defensores do projeto

Defensores do projeto, entre eles o relator na Câmara, deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), rebatem as críticas e afirmam que não há possibilidade de o texto beneficiar criminosos comuns. Segundo o parlamentar, o projeto foi construído com apoio de juristas para corrigir supostos excessos das penas aplicadas aos envolvidos no 8 de Janeiro, sem afetar o tratamento dado a delitos “comuns” previstos na legislação penal.

Parlamentares da base de direita e aliados de Jair Bolsonaro sustentam que a proposta é uma “resposta possível” ao rigor do STF, ao mesmo tempo em que evita a anistia total, que enfrentaria maior resistência no Senado e na sociedade. Para esse grupo, as mudanças não representam flexibilização generalizada, mas ajuste pontual para evitar que somas de penas consideradas “desproporcionais” mantenham por demasiado tempo em regime fechado réus sem histórico de crimes violentos contra a vida.

Críticas técnicas e riscos apontados

Especialistas alertam que legislar a partir de um caso específico, com o objetivo de beneficiar um grupo delimitado de réus – no caso, os condenados pelo 8 de Janeiro, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro – tende a produzir distorções sistêmicas. Penalistas destacam que, ao alterar regras gerais de cálculo e execução de penas, o Congresso interfere em engrenagens que atingem todo o universo carcerário, abrindo margem para revisões em massa de sentenças e pedidos de readequação de regimes por advogados de condenados por outros tipos de crimes.

Há também questionamentos sobre possível violação ao princípio da isonomia, na medida em que o texto desenha percentuais de progressão mais brandos para determinados contextos de violência política do que para delitos violentos contra a pessoa ou o patrimônio, como assaltos comuns. Criminalistas apontam que, se aprovado sem ajustes no Senado, o PL pode ser alvo de ações diretas de inconstitucionalidade no STF, com foco tanto na retroatividade benéfica para crimes comuns quanto na hierarquia de gravidade implícita na nova estrutura de progressão de regime.

Situação no Senado e possíveis desdobramentos

No Senado, o PL da Dosimetria foi encaminhado à Comissão de Constituição e Justiça, tendo o senador Esperidião Amin (PP-SC) como relator e previsão de análise em reunião já anunciada pela presidência do colegiado. A expectativa é que haja debate intenso entre senadores governistas, que veem risco de afrouxamento penal generalizado, e oposicionistas ligados ao bolsonarismo, que pressionam pela aprovação rápida como forma de aliviar a situação dos condenados pelo 8 de Janeiro.

Caso o texto seja aprovado sem mudanças, passará a valer para todo o país após sanção presidencial, permitindo pedidos de readequação de penas e de progressão antecipada para milhares de condenados, inclusive por crimes sem relação com a tentativa de golpe. Se o Senado alterar o conteúdo, o projeto retorna à Câmara para nova votação, cenário em que o embate sobre os efeitos do PL da Dosimetria sobre criminosos comuns tende a se intensificar no Congresso e no Judiciário.

O Metropolitano

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