Supremo retoma julgamento: Regulação das Redes Sociais não é censura, afirma pesquisa europeia
Mesmo após nova lei, remoção de conteúdos na Europa foi baixa; resistência de políticos de direita ao tema pode estar ligada à proliferação de fake news

Luciano Meira
O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou nesta quarta-feira, 25 de junho, o julgamento considerado o mais relevante da história recente do tribunal: a responsabilização das Big Techs por publicações de usuários em suas plataformas. Com sete votos já favoráveis à ampliação das obrigações das empresas, contra apenas uma divergência, o placar aponta para uma mudança significativa no tratamento do tema no Brasil. O artigo 19 do Marco Civil da Internet, que hoje exime as plataformas de responsabilidade sobre conteúdos publicados por terceiros — salvo descumprimento de decisão judicial — está com os dias contados, mas os ministros ainda buscam consenso sobre os critérios para a nova regra.A discussão, porém, não se limita ao campo jurídico. Ela reverbera no debate político, especialmente entre políticos de direita, que costumam associar qualquer tentativa de regulamentação das redes sociais a uma suposta ameaça à liberdade de expressão. Essa narrativa, no entanto, ignora um dado fundamental: a experiência europeia, onde a regulamentação das plataformas digitais já vigora desde 2023, com a Lei de Serviços Digitais (DSA). Pesquisa inédita realizada pelo NetLab da UFRJ, com base em relatórios de transparência exigidos na Europa, mostra que a aplicação da lei não resultou em remoção excessiva de conteúdos. Nos principais serviços, como Facebook, Instagram, X e TikTok, a porcentagem de pedidos de remoção atendidos ficou entre 21% e 35%, indicando que a regulação não gerou censura generalizada nem o chamado “chilling effect” — o temor de que as empresas passariam a remover indiscriminadamente qualquer conteúdo denunciado.
A resistência de parte da classe política, especialmente da direita, ao avanço da regulamentação pode estar ligada a outro fenômeno: a proliferação de fake news e discursos de ódio, que encontram nas plataformas digitais um terreno fértil para se disseminar. O discurso de liberdade de expressão absoluta, defendido por figuras públicas e líderes do setor, como Elon Musk, serve de escudo para práticas que, na realidade, configuram abuso e desinformação, não manifestação legítima de opinião. Não à toa, gigantes da tecnologia têm sido acusadas de atuar em sintonia com a extrema direita, facilitando a circulação de notícias falsas e teorias conspiratórias que desequilibram o debate democrático.
No Brasil, a polarização em torno do tema é agravada pela ausência de autorregulação efetiva das plataformas, como apontado pelo ministro Alexandre de Moraes em seu voto. Para ele, as Big Techs não podem ser “terra sem lei” e precisam ser responsabilizadas por conteúdos criminosos, como discursos antidemocráticos e incitação à violência. A maioria dos ministros do STF parece concordar que a proteção dos direitos fundamentais e da democracia exige maior fiscalização e controle sobre o que circula na internet. O ministro André Mendonça, único até agora a votar contra, argumenta que a remoção de perfis seria censura prévia, mas seu voto isolado reflete uma visão minoritária no tribunal e seguramente de quem o indicou para a vaga.
Em resumo, a retomada do julgamento no STF coincide com um momento crítico para a democracia brasileira. A experiência internacional mostra que a regulação das redes sociais pode ser feita sem comprometer a liberdade de expressão, mas a resistência de políticos e influenciadores de direita à pauta revela, na prática, uma defesa de interesses que nada têm a ver com a garantia de direitos, mas sim com a manutenção de práticas abusivas e antidemocráticas no ambiente digital.