O mundo está cada vez menos colorido
Confesso que um dos lugares que mais tenho ojeriza de frequentar são os shoppings-centers. Não vejo graça nenhuma! Sinto-me dentro de um mundo estranho, ao avesso, onde os papeis se invertem: as vitrines e os manequins é que parecem me observar, como se eu fosse o objeto – ou, pensando bem, sim, nós nos tornamos objetos dentro deste espaço que é milimetricamente pensado para nos fazer comprar, comprar, comprar… Até os corredores são feitos para nos perder em meio às lojas. É uma loucura!
Mas, na minha última visita ao shopping uma coisa me chamou a atenção: percebi que o mundo está ficando menos colorido. Foi um daqueles momentos em que uma luz se acende sobre a cabeça. Na praça de alimentação, deparei-me olhando por todos os lados, parando meus olhos nos outros, reparando que as pessoas “elegeram” uma paleta quase monocromática para se vestir: preto, cinza, bege, branco, marrom, tons pastéis e só… Quase nenhuma cor vibrante.
Não há nenhum problema nisso, é claro. Cada um veste o que quiser. Mas a minha observação trouxe reflexões além das aparências. Digo: nesses ambientes – que são uma das invenções do mundo pós-moderno –, vê-se a manifestação da vida ditada pela uniformização do capital. Vê-se quase todo mundo igual, num país multicultural, onde o interessante é estar com o último corte de cabelo do jogador de futebol, vestindo a marca de roupa famosa anunciada pela influencer digital, que alguém comprou de um chinês do shopping Oiapoque.
Por felicidade, porém, em meio àquela grande massa, meus olhos avistaram uma criança, ditosa, radiante, saltitando com uma blusa cor-de-rosa-choque. Algo nela pulsava diferente. Aquela cor destoando do monocromático, aquele sorrisinho inocente, em contraste com as faces iluminadas pelas telas dos celulares: era como se o universo dela fosse mais vívido, enquanto o mundo ao seu redor parecia apagado, sem graça, empalidecido, triste como suas roupas.
Fiquei pensando: desde quando escolhemos viver em uma sociedade cinza? Tudo me remeteu à ideia de conformidade e apatia.
Lembrei-me um estudo que vi a alguns anos que mostrou que ao longo dos últimos 50‑70 anos o mundo — não apenas na moda, mas nos objetos cotidianos — tem realmente se tornado menos colorido. Foi um estudo realizado pelo Science Museum Group, do Reino Unido, que analisou cerca de 7.000 objetos produzidos entre os anos 1800 e 2020 e constatou que as cores preto, branco e cinza passaram a dominar, respondendo hoje por cerca de 60 % do total, ao passo que tons como amarelo, vermelho, azul e verde, declinaram.
O mesmo padrão foi observado em automóveis, eletrônicos e no design de interiores. Isso é fácil de observar quando abrimos os álbuns de fotografias de nossos pais e avós, ou quando vemos as revistas de carros dos anos 1970-1980, em contraste com os pretos, pratas e brancos que circulam todos os dias as avenidas das cidades.
A substituição de materiais naturais por plásticos e metais, menos coloridos por natureza, explica parte disso — mas não tudo. Há também uma escolha cultural: o minimalismo, a busca por uma “elegância sóbria” e por “estar bem” no cenário — seja no vestuário, nos ambientes, na arquitetura — tem privilegiado cores neutras, vistas como seguras, sofisticadas, “adultas”.
Mas será que esse mundo mais neutro, mais cinza, não é também um mundo menos tocante, menos sensível? A especialista em psicologia das cores Tash Bradley alertou em um blog de interiores que o cinza “não traz nenhum benefício psicológico — é negativo, sugando energia”; enquanto vermelhos despertam excitação, azuis transmitem calma e verdes aprimoram foco, o equilíbrio e a harmonia.
E se esse mar de neutralidade que estamos mergulhando é uma construção político-social? Não é possível que haja uma “mão invisível” movendo esses padrões?
Conspirações à parte, o fato é que não podemos ignorar que grandes marcas usam a psicologia das cores para desencalharem seus produtos. Até a grande multinacional de sanduíches, McDonald’s, conhecida pelo vermelho e o amarelo, se rendeu aos tons neutros.
Parece que as empresas entenderam que os tons neutros são mais fáceis de vender em massa — menos risco de os produtos encalharem. Consequentemente, as lojas, as marcas, as grifes, oferecem principalmente peças cinzentas, pretas, beges. E as pessoas, para não destoar, vestem-se como os outros, pois pertencer à “massa” traz conforto: um manto de aceitação que nos livra da ansiedade de ser notado. Quem ousar sair do mar monocromático vai sofrer.
Não era à toa que criança de rosa que observei no shopping irradiava uma “cor” que ia além do tecido de sua camiseta: era a autoconfiança, a autenticidade que só a pureza de uma criança pode ter. Antes de nos tornarmos “adultos”, isso existia. Hoje, o mundo ficou “velho” de tão moderno.
Por outro lado, a multidão de cores que horas e horas a fio vemos rolando as páginas das nossas redes sociais, dos vídeos do YouTube ou TikTok, são o que? O que nos prende a tanta informação, a tantos vídeos de 30 segundos, cheios de formas e imagens vibrantes?
A resposta? Dopamine design. Ou seja: são formas de utilização de cores vivas, padrões ousados e elementos que estimulam nossos sentidos, trazendo a falsa sensação de alegria e bem-estar, buscando ativar a liberação de dopamina no cérebro. Mas tudo fica só no mundo virtual e nada mais. É a verdadeira prisão dos cinco sentidos. É a verdadeira caverna do mito de Platão – que nunca esteve tão atual quanto agora, pois estamos cada vez mais imersos em um mundo de sombras, preto, branco, cinza, tudo monocromático, como os prisioneiros vendo as imagens refletidas na parede do interior da caverna.
Não quero crer que daqui um tempo nós seremos apenas mais um pixel acinzentado em fotos de catálogo. Resta a nós decidir: seremos espectadores passivos da monocromia imposta ou ousaremos colorir o mundo? E, se você leu até aqui, entenda isso: cor é coragem, autenticidade, resistência. Não é apenas com uma blusa vibrante; é um gesto espontâneo ou um sorriso que decide brilhar. Romper com esta sociedade cinza é romper com este mundo triste, apático, opaco… Precisamos de luz, de cor, de alegria, de energia – como aquelas que vi no olhar da criança no shopping.
Referências:
SLEEMAN, Cath; BENNETT, Stephen. Colour & Shape: Using Computer Vision to Explore the Science Museum Group Collection. Science Museum Group, 2021–2022. Disponível em: https://lab.sciencemuseum.org.uk/. Acesso em: 15 jul. 2025.
ABRAMS, Loney. Color Psychologist Tash Bradley Can’t Live Without Her Vintage Pink Sofa. Architectural Digest, 28 jun. 2022. Disponível em: https://www.architecturaldigest.com/story/tash-bradley-vintage-pink-sofa-splurge-worthy. Acesso em: 15 jul. 2025.
TAILOR, Neelam. Fade to Gray: Why Is Color Disappearing From the World? WePresent | WeTransfer, publicação entre 2022–2023. Disponível em: https://wepresent.wetransfer.com/stories/is-color-disappearing. Acesso em: 15 jul. 2025.
STILLMAN, Jessica. The World Is Literally Getting Less Colorful, New Analysis Finds. Inc., 2021. Disponível em: https://www.inc.com/jessica-stillman/color-design-branding-science-museum.html. Acesso em: 15 jul. 2025.
THE COLLECTOR. Blaming Minimalism: What Happens When Color Disappears? 2023. Disponível em: https://www.thecollector.com/minimalism-color-grey/. Acesso em: 15 jul. 2025.
UX MAGAZINE. Why Is the World Losing Color? UX Magazine, 2023. Disponível em: https://uxmag.com/articles/why-is-the-world-losing-color. Acesso em: 15 jul. 2025.
PHH STRAILBLAZER. Is Color Disappearing from the World? 2023. Disponível em: https://phhstrailblazer.org/featured/in-depth/2023/01/11/is-color-disappearing-from-the-world/. Acesso em: 15 jul. 2025.