Audiência na ALMG expõe risco de retorno da mineração na Serra do Rola Moça

Defensores do Rola-Moça alertam para risco ambiental e cobram mais transparência no processo de descomissionamento de barragens ao redor da unidade de conservação

Deputadas Bella Gonçalves (PSol) e Beatriz Cerqueira (PT) Foto: Henrique Chendes/ALMG
Luciano Meira

Nesta terça-feira (06), em audiência pública convocada pelas deputadas Beatriz Cerqueira (PT) e Bella Gonçalves (PSoL), especialistas, entidades e a comunidade puderam expressar suas preocupações com o que entendem ser uma manobra do governo Zema (Novo) para permitir o retorno da mineração na área do Parque Estadual da Serra do Rola-Moça.Além das deputadas requerentes, compareceram à reunião o presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, deputado Tito Torres (PSD), e a deputada Lohana (PV).

Representando o governo do Estado:

• Roberto Junio Gomes (representando Marília Carvalho de Melo) – Diretor de Gestão de Barragens e Recuperação de Área de Mineração e Indústria – Fundação Estadual de Meio Ambiente;

• Ronaldo José Ferreira Magalhães – Supervisor da Unidade Regional Metropolitana do Instituto Estadual de Florestas – IEF.

Pelo Ministério Público Federal:

• Ana Carolina Previtalli Nascimento (representando Carlos Bruno Ferreira da Silva) – Procuradora da República da 6ª Região (por videoconferência).

As entidades e comunidades foram representadas por:

• Guilherme Siqueira de Carvalho – Morador de Casa Branca e Membro do Movimento Rola Moça Resiste;

• Adriano de Souza Ventura – Professor e Representante da PUC Minas no Conselho do Parque Estadual da Serra do Rola Moça;

• Maria Clara Paiva Izidoro – Moradora de Casa Branca e Ex-Conselheira do Parque Estadual da Serra do Rola Moça;

• Camila Oliveira Magalhães Leal – Moradora de Casa Branca e Conselheira do Parque Estadual da Serra do Rola Moça;

• Vinicius Papatella Padovani – Assessor do Gabinete da Dep. Federal Duda Salabert (PDT);

• Francisco Mourão Vasconcelos – Morador de Casa Branca e Conselheiro do Parque Estadual da Serra do Rola Moça, Grupo de Trabalho Mineração Geral do Brasil;

• Euler de Carvalho Cruz – Presidente do Fórum Permanente São Francisco.

Além dos citados, também participou da Audiência Pública um expressivo número de interessados.

Foto: Henrique Chendes/ALMG

O medo da eventual retomada da mineração no Parque Estadual da Serra do Rola-Moça foi o tema central da audiência pública. Esse medo está baseado na desconfiança de que um Termo de Ajustamento de Conduta – TAC, firmado em 2023, seja, na verdade, um “cavalo de troia” e traga escondido em seu texto a possibilidade da retomada da mineração.

O TAC firmado entre a empresa Mineração Geral do Brasil (MGB), a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) e os Ministérios Públicos Federal e de Minas Gerais prevê o desmanche das barragens B1 e B2 no entorno do parque e o transporte do material de rejeito. Ocorre que o meio proposto para resolver o problema é a construção de uma estrada que corta a unidade de conservação (UC), e o TAC dispensa a exigência do licenciamento ambiental para cada etapa do desmanche das barragens, o que, segundo os participantes da audiência, transforma o documento em uma espécie de salvo-conduto para a mineração na área do Parque, ficando claro que o TAC pode ser usado para burlar a falta de licenciamento.

A desconfiança dos participantes se justifica quando dados e números mostram que o TAC traz em seu conteúdo quantidades e volumes contraditórios com a realidade das barragens a serem desmanchadas. Os dados da Agência Nacional da Mineração (ANM), apresentados pelo ativista do Movimento Rola Moça Resiste, Guilherme Siqueira de Carvalho, apontam que as duas barragens possuem, juntas, 836 mil metros cúbicos (m³) de rejeitos, mas o projeto executivo para o descomissionamento das estruturas, amparado no TAC, menciona a retirada de 60 mil toneladas por mês nos próximos 5 anos, totalizando 3,6 milhões de toneladas, o correspondente a 1,28 milhões de m³, um volume previsto de 435.328 m³ a mais, escancarando a intenção de retirar material de mineração ainda presente na unidade.

O projeto prevê a construção de uma estrada para transportar o material, envolvendo a circulação de 1.715 caminhões, de 32 toneladas cada, por mês. A construção da estrada promoveria a retirada de toda a vegetação paralela, numa extensão de 20 metros, o que, para Maria Clara Paiva Izidoro, ex-conselheira do parque estadual, é uma insanidade. Ela alertou que a rodovia aumenta o risco de atropelamento e fuga de animais da unidade, além de facilitar o acesso a caçadores de animais silvestres. “Faço um apelo, um clamor, para que a insanidade não suplante a humanidade”, concluiu a ex-conselheira.

Como era de se esperar, os representantes do governo do Estado defenderam o TAC e ainda encontraram justificativas para a manutenção do cronograma proposto no documento. O diretor da Fundação Estadual de Meio Ambiente, Roberto Junio Gomes, disse que a tentativa do acordo teve por objetivo evitar a demora na judicialização da questão. Em 2016, a mineradora não obteve licenciamento para a atividade, mas, em 2021, obteve uma liminar para garantir a ampliação do prazo de descomissionamento das barragens de 3 para 10 anos. O TAC, segundo ele, acelera essa descaracterização.

Outro defensor do TAC foi o supervisor do Instituto Estadual de Florestas (IEF), Ronaldo José Magalhães, que afirmou que o Conselho Consultivo do Parque Estadual da Serra do Rola Moça tem participado dos debates sobre a melhor alternativa para fazer o escoamento. “A gente vai ter que aceitar esse impacto, que vai ser temporário”, argumentou.

Assim como todos os presentes que contestaram o posicionamento dos representantes do Estado, o deputado Tito e as deputadas Beatriz, Bella e Lohana também se colocaram contra a argumentação e na defesa do Parque Estadual.

Entre os depoimentos dos participantes da Audiência, provavelmente o de maior impacto foi o da procuradora Ana Carolina Nascimento, solicitando que as informações sejam encaminhadas ao Ministério Público Federal para análise de uma possível suspensão do TAC. Ela explicou que é sempre possível rever medidas de governos quando se trata de garantir direitos ou benefícios à sociedade.

A construção da estrada, como mencionado por vários representantes, fere a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), uma vez que o parque é uma Unidade de Conservação de Proteção Integral.

A anuência do Ministério Público ao acordo também foi amplamente criticada. Camila Oliveira Magalhães Leal, conselheira do Parque estadual, considerou que o MP se distanciou do papel fundamental de defensor da ordem jurídica para atuar como intermediador para beneficiar empreendimentos impactantes.

Por unanimidade, foi defendido o fechamento imediato das barragens, a suspensão do TAC e a utilização do material para cobrir as crateras já provocadas pela mineração e para a revegetação da área destruída. Foi sugerida, ainda, uma auditoria externa e independente para analisar a proposta do termo.

Além de encaminhar as sugestões para a Procuradoria da República, a deputada Beatriz Cerqueira anunciou que será realizada uma visita técnica ao Parque Rola-Moça.

Ouvida pela nossa reportagem, a deputada Beatriz Cerqueira (PT) lamentou que, apesar da existência da Lei Mar de Lama Nunca Mais (Lei nº 23.291, de 25/02/2019), criada após o crime da Vale em Brumadinho obrigando o descomissionamento de todas as barragens de rejeito a montante, o Estado se coloque na defesa da mineração em detrimento da população e do meio ambiente. “A ‘Lei Mar de Lama Nunca Mais’ foi uma resposta importante diante de um segundo crime de rompimento de barragem e assassinato de muita gente, houve a flexibilização até 2035, e como nós debatemos em outra audiência pública, eu acho grave nesse processo aqui do Rola Moça a conivência do Estado com os interesses da mineração em detrimento da proteção da população, em detrimento da escuta e da defesa dos interesses da sociedade”.

O Parque Estadual da Serra do Rola Moça, de natureza exuberante, possui espécies do Cerrado, Mata Atlântica e Campo Rupestre Ferruginoso. Também tem uma rica fauna, com animais como lobo-guará, onça-parda, cachorro-do-mato, veado-campeiro, carcará e várias outras espécies de aves. Ocupa uma área de 4.006 hectares, abrangendo os municípios de Belo Horizonte, Brumadinho, Nova Lima e Ibirité, todos na Região Metropolitana de Belo Horizonte. A unidade abriga seis mananciais, responsáveis pelo abastecimento de água de parte da RMBH.

Botão Voltar ao topo