Barroso vota pela descriminalização do aborto até 12 semanas e deixa STF com julgamento suspenso
Sessão encerra com dois votos favoráveis — de Rosa Weber e Luís Roberto Barroso — e o processo é suspenso após pedido de destaque de Gilmar Mendes; relator Flávio Dino pede retirada de pauta

Luciano Meira
O Supremo Tribunal Federal (STF) voltou a discutir, nesta sexta-feira (17), a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. Em seu último dia na Corte antes da aposentadoria antecipada, o ministro Luís Roberto Barroso votou a favor da medida, acompanhando o voto já proferido pela ex-ministra Rosa Weber em 2023. O julgamento foi interrompido logo em seguida, após pedido de destaque do ministro Gilmar Mendes, o que levou à suspensão da sessão e à transferência da análise para o plenário físico, ainda sem data definida.
O voto e os argumentos
Barroso afirmou que a interrupção da gestação deve ser tratada como uma questão de saúde pública e não criminal. Ele argumentou que o Estado não deve punir mulheres que realizam o procedimento em situações adversas e destacou as desigualdades sociais no acesso à saúde reprodutiva. “Ninguém é a favor do aborto em si. O papel do Estado é evitar que ele aconteça, oferecendo educação sexual, planejamento familiar e apoio à mulher”, escreveu em seu voto.
O ministro ressaltou ainda que a criminalização afeta de forma desproporcional mulheres pobres e negras, que recorrem a clínicas clandestinas e, muitas vezes, sofrem complicações de saúde. Para Barroso, “direitos fundamentais não podem depender da vontade das maiorias políticas”.
Tramitação e contexto da ação
O julgamento trata da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, apresentada pelo PSOL em 2017. A ação pede que a interrupção voluntária da gravidez até a 12ª semana deixe de ser enquadrada como crime nos artigos 124 e 126 do Código Penal, por considerar que tais dispositivos violam princípios constitucionais como a dignidade humana, a liberdade e o direito à saúde.
O caso começou a ser julgado em setembro de 2023, quando a então ministra Rosa Weber — que era relatora — apresentou voto favorável à descriminalização antes de sua aposentadoria. Ela considerou que o Estado deve proteger a autonomia reprodutiva das mulheres e classificou a criminalização como uma afronta aos direitos fundamentais.
Suspensão do julgamento e novos desdobramentos
Após o voto de Barroso, o ministro Gilmar Mendes pediu destaque, o que suspendeu automaticamente o julgamento no plenário virtual e determinou que o caso seja analisado em sessão presencial. “Em matérias sensíveis, como esta, o debate presencial é essencial para a formação de um consenso jurídico”, justificou o decano.
Pouco depois, o relator da ação, ministro Flávio Dino — que herdou a relatoria com a aposentadoria de Rosa Weber — recomendou a retirada da ADPF 442 da pauta, pedido atendido pelo presidente da Corte, Edson Fachin. A medida adia por tempo indeterminado a continuação do julgamento.
Aborto no Brasil e no Legislativo
Atualmente, o aborto é permitido no Brasil apenas em casos de estupro, risco à vida da gestante e anencefalia do feto ( feto sem cérebro). Ainda assim, o tema divide opiniões no Congresso. Em 2024, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou uma proposta de emenda constitucional que busca restringir ainda mais o acesso ao aborto legal, suprimindo as exceções atualmente previstas.
A decisão do STF, portanto, ocorre em um contexto de acirramento político e social sobre os direitos reprodutivos das mulheres. Com o placar inicial de 2 a 0 pela descriminalização, o caso permanece sem data para nova apreciação, devendo ser retomado quando o presidente Edson Fachin recolocar o tema em plenário.