Belo Horizonte oficializa o “Dia da Fidelidade Conjugal” e desafia o status do “Dia do Corno”

Nova data municipal defende casamento monogâmico cristão, reacendendo o debate entre fidelidade e traição em território mineiro

Na foto Vagner Macedo, auto proclamado o “maior corno do Brasil”, que fez um pedido ao Guinness World Records para ser reconhecido oficialmente como o “maior corno do mundo”. O pedido tem como base seu relacionamento aberto com a influenciadora Bella Mantovani. Os dois estão juntos há 19 anos. Foto: Reprodução Redes Sociais
Luciano Meira

Em uma cena digna dos melhores roteiros da política brasileira, Belo Horizonte acaba de acrescentar ao seu calendário oficial o “Dia da Fidelidade Conjugal e do Casamento Monogâmico Cristão”, instalado por lei para ser celebrado em 18 de maio. A exótica solenidade mineira surge como resposta irônica ao nacionalmente famoso Dia do Corno, comemorado em 25 de abril, exclusividade do Brasil moderna e descontraída, onde, surpreendentemente, 500 mil pessoas assumiram recentemente o prazer do “cuckoldismo” – o conhecimento e, por vezes, a aceitação ou até preferência pela infidelidade consentida.​A novidade foi sancionada pelo prefeito Álvaro Damião (União Brasil), a partir de projeto do vereador Neném da Farmácia (Mobiliza), figura já conhecida por propor datas no calendário municipal. O texto da lei exalta a importância da formação familiar “entre homem e mulher”, e sugere reflexões, debates públicos e até celebrações sobre fidelidade, confiança e fortalecimento dos vínculos conjugais. O projeto de Neném é apenas mais um de uma longa lista de iniciativas ideológicas aprovadas neste primeiro ano de mandato, em meio à guerra cultural na Câmara de BH. A justificativa oficial busca, entre as linhas, valorizar práticas consideradas “pilares” pelos setores conservadores, como a monogamia e a união matrimonial cristã.​

Um duelo de datas: monogamia contra a tradição da cornitude

Surge então um curioso contraponto à irreverente celebração brasileira do Dia do Corno. Com forte pegada humorística nas redes e nos bares, o 25 de abril foi transformado nos últimos anos em símbolo da liberdade sexual e da capacidade de rir de si mesmo diante das desventuras amorosas, herança de velhas tradições religiosas portuguesas sacramentadas nos Açores – e depois abrasileiradas junto ao samba, memes e pagode. Para muitos, inclusive, a data virou sinônimo de fetiche sexual: segundo pesquisa feita neste ano, mais de 51% dos homens brasileiros têm vontade de experimentar o tal “cuckoldismo” e 21% das mulheres se confessam adeptas ou simpatizantes do papel de “hotwife”.​

BH, a capital da monogamia cristã?

Até aqui, nenhuma outra cidade brasileira sentiu necessidade institucional de se contrapor ao carismático Dia do Corno. Belo Horizonte, como boa capital mineira, escolheu oficializar seu papel de guardiã da fidelidade e do casamento cristão. A cidade parece querer blindar, com solenidade e muita disposição para ironia pública, suas relações familiares contra as tentações e modismos nacionais. E se, nos outros 364 dias do ano, o casamento monogâmico já enfrenta suas provações, ao menos em BH, 18 de maio será reservado para quem prefere, em vez dos chifres – a tradicional aliança e o voto de exclusividade amorosa.​

Ironia, humor e a tradição mineira

O Dia da Fidelidade Conjugal e do Casamento Monogâmico Cristão, tão mineiramente solene quanto inusitado, marca a vontade de parte da Câmara de Belo Horizonte de se posicionar, diante dos ventos de liberdade sexual Brasil afora. No duelo folclórico entre o “corno” e o “fiel”, os legisladores mineiros decidiram: em 18 de maio, Belo Horizonte será capital da monogamia. Pelo menos no calendário – e, quem sabe, no coração de alguns casais. Afinal, como ensina o folclore mineiro: tudo passa. Menos as boas histórias para se contar.

O Metropolitano

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