Deputados mineiros eliminam referendo e abrem caminho para privatização da Copasa

Assembleia Legislativa aprova PEC que retira necessidade de consulta popular para alienação da estatal; discussão acirra debate sobre o futuro do saneamento, dívida pública e impacto social em Minas

Foto: Willian Dias/ALMG
Luciano Meira

Em decisão tomada na madrugada desta sexta-feira (24), deputados da Assembleia Legislativa de Minas Gerais aprovaram, em primeiro turno, a Proposta de Emenda à Constituição 24/2023, que exclui a exigência de referendo popular para a venda da Copasa, principal empresa de saneamento do estado. O texto teve 52 votos favoráveis e 18 contrários, ampliando o caminho para a privatização da companhia, demanda central do governo Romeu Zema (Novo) e parte do esforço para adesão ao Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag).​

Como foi a votação e os argumentos

A discussão se estendeu por toda a noite de quinta-feira (23), marcada por tentativas da oposição de barrar ou atrasar o processo, que contabilizou mais de dez horas de obstrução por meio de requerimentos e discursos. A base governista, favorável à privatização e alinhada à proposta do Executivo, garantiu quórum elevado e antecipou o feriado legislativo previsto para o início da próxima semana. A votação acelerou após líderes do governo limitarem o tempo para debates em plenário.Durante a sessão, oposicionistas afirmaram não haver urgência para correr com a decisão, argumentando que a Copasa é lucrativa e cumpre papel estratégico na oferta de serviços básicos. Deputados contrários destacaram o direito da população de participar da decisão e criticaram experiências de privatização em outros estados, que teriam resultado em aumento de tarifas e diminuição da qualidade dos serviços. Já governistas justificaram a privatização como etapa vital para refinanciamento da dívida pública e ampliação dos investimentos, exigidos pelo Propag, além de melhorar eficiência e buscar a universalização do saneamento básico em Minas Gerais.​

O que representa o Propag e a privatização

O Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag), sancionado em 2025, permite a reestruturação das dívidas estaduais com a União em até 30 anos, com taxa de juros reduzida a níveis inéditos — podendo chegar a zero em alguns casos. Como contrapartida do refinanciamento em termos vantajosos, há exigência de amortização mínima da dívida e investimentos em áreas prioritárias, como educação e segurança. O governo mineiro afirma que a venda da Copasa seria canalizada exclusivamente para amortização da dívida no âmbito do Propag, atendendo às exigências federais.​

A privatização da Copasa tem sido defendida pelo Executivo estadual como mecanismo para alcançar metas do Marco Legal do Saneamento, ampliar a cobertura de água tratada e esgoto e viabilizar grandes investimentos. Segundo o secretário-adjunto de Desenvolvimento Econômico, há quase 4 milhões de mineiros sem acesso à água potável e 293 cidades sem esgotamento sanitário adequado. A desestatização teria potencial de aumentar a eficiência, reduzir a burocracia e atrair aportes privados, segundo os defensores da medida.​

Impactos em outros estados e setores

A discussão sobre a privatização é marcada por polêmicas nacionais e experiências diversas. Estudos mostram que em estados como Amazonas e Alagoas, a transferência do saneamento à iniciativa privada implicou aumento das tarifas e problemas de acesso à água e esgoto, especialmente em áreas vulneráveis. Já em São Paulo, após a venda da Sabesp, houve ganhos de receita e investimentos, mas também ocorreram demissões e vazamentos, com críticas à evolução dos serviços e impacto sobre consumidores.​

No contexto mineiro, trabalhadores da Copasa e sindicatos mobilizaram-se contra o projeto, alegando riscos sociais, sucateamento dos serviços e supressão do direito de participação popular. A PEC 24/2023 elimina a obrigatoriedade de referendo, permitindo que a privatização avance mediante decisão legislativa, com inclusão da possibilidade de “golden share” — ação preferencial que assegura ao estado veto em decisões estratégicas da empresa futura.​

O que vem a seguir

Com a aprovação da PEC em primeiro turno, o texto ainda deverá passar por nova votação antes de se tornar definitivo. Se consolidada a mudança constitucional, o governo poderá dar prosseguimento ao processo de privatização sem consulta popular, remontando debates já vividos em outras áreas essenciais à população. O impasse entre argumentos econômicos e sociais promete manter o tema em evidência nos próximos meses, com reflexos na vida dos mineiros e no cenário nacional do saneamento.

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