Lucros Encharcados de sangue e lama: o negócio da tragédia que abastece o caixa da Vale e Samarco

Mineradoras foram multadas em R$ 1,92 bilhão por registrarem indenizações da maior tragédia ambiental do Brasil como despesa para dedução do Imposto de Renda; situação revela benefício fiscal bilionário enquanto vítimas da catástrofe ainda lutam por reparação

Arquivo RMC
Luciano Meira

A tragédia de Mariana, em Minas Gerais, que em 2015 destruiu comunidades, causou a morte de 19 pessoas e um impacto ambiental irreparável, ainda ressoa no palco judicial e fiscal do país. As mineradoras Vale e Samarco – esta última responsável direta pela barragem que se rompeu e controlada pela Vale e pela BHP – foram autuadas em R$ 1,92 bilhão pela Receita Federal por terem registrado, para abater impostos, os pagamentos de indenizações e compensações decorrentes da catástrofe com a justificativa de que seriam despesas obrigatórias da atividade empresarial. Esse mecanismo permitiu uma dedução tributária indevida, na visão do fisco, que contesta o enquadramento dessas despesas como normais e usuais para operações produtivas.

Após contestação da União, o caso tramitou no Carf (Conselho de Administração de Recursos Fiscais), onde a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) obteve vitória em todos os processos até o momento, embora as mineradoras ainda possam recorrer e judicializar a questão. O argumento central do Fisco é que essas despesas, relacionadas a um sinistro excepcional e sancionado com multas ambientais e obrigações de compensação, não representam gastos normais e usuais da atividade de mineração, mas sim um custo social elevado imposto pelo desastre – o que configura uma socialização inadequada do risco empresarial.O estranhamento e a indignação se intensificam quando se observa não só a magnitude da multa imposta – R$ 1,92 bilhão, valor que supera o montante pago até hoje para a reparação das vítimas e recuperação ambiental –, como também o fato de essas empresas terem registrado esses valores para reduzir seus impostos em um momento em que as comunidades ainda aguardam justiça e compensações efetivas. Para se ter uma ideia, a União só arrecadou R$ 489 milhões em multas aplicadas à Samarco até maio de 2025 e o novo acordo de reparação, homologado pelo STF em novembro de 2024, prevê o pagamento de R$ 132 bilhões pelas mineradoras, parcela considerável do qual ainda está para ser quitada.

Vale e Samarco argumentam que os pagamentos são despesas consequentes da responsabilidade objetiva de reparação, mas a Procuradoria da Fazenda aponta que a dedução tributária indevida faz parte do jogo sujo que permite às grandes corporações se beneficiarem enquanto a população continua a sofrer. Para agravar, a Vale, que inicialmente tentou se eximir da responsabilidade pela barragem, assumiu no cálculo do imposto que aplica essas indenizações e multas como despesas dedutíveis, em aberto contraste com sua postura pública.

A tragédia de Mariana não foi apenas uma catástrofe ambiental e humana; se arrasta como um caso emblemático da impunidade e da seletividade da justiça fiscal no Brasil. Multas bilionárias pendentes, litígios prolongados, acordos judicializados e um saldo humano e ambiental devastador pintam um quadro em que as verdadeiras penalidades às mineradoras parecem gravar-se no papel, enquanto o peso da lama recai sobre as costas das comunidades atingidas. Embora o Novo Acordo do Rio Doce, homologado em 2024, preveja o aporte de cerca de R$ 170 bilhões para reparação, com R$ 38 bilhões já destinados até 2024, muitas vítimas ainda veem na lentidão dos processos e nas disputas jurídicas uma extensão do sofrimento vivido. A Samarco e a Vale continuam transferindo recursos e implementando programas de compensação, mas a ironia amarga é que esses valores, que deveriam ser de responsabilidade social e reparação, foram usados para abater impostos, resultando na autuação de R$ 1,92 bilhão pela Receita Federal – um escárnio fiscal sobre a tragédia humana e ambiental que marcará a história do Brasil por muito tempo.

O Metropolitano

Jornalismo profissional e de qualidade. Seu portal de notícias da Região Metropolitana de Belo Horizonte, de Minas Gerais, do Brasil e do Mundo.
Botão Voltar ao topo