Ônibus ausentes: moradores do Nazaré enfrentam descaso histórico
Apesar de promessas e números da prefeitura, a população da periferia de Belo Horizonte questiona política de mobilidade limitada e cobra direito à cidade

Luciano Meira
A falta de ônibus próprios no bairro Nazaré, na região Nordeste de Belo Horizonte, segue provocando indignação e dificuldades para milhares de moradores, que há quase 20 anos dependem exclusivamente de linhas alimentadoras superlotadas e irregulares. As consequências vão além da espera no ponto: afetam a vida, o trabalho e a dignidade de quem habita a periferia da cidade.
Desigualdade no transporte público
Desde 2006, o bairro Nazaré perdeu o direito a ter uma linha direta para o Centro da capital, ficando restrito às linhas que ligam o bairro às estações de metrô, como a 806 (Vista do Sol/Estação Vista do Sol) e a 815 (Conjunto Paulo VI/Estação São Gabriel) – ambas dos bairros vizinhos, mas que, na prática, atendem Nazaré. Os passageiros relatam até 40 minutos de espera por ônibus que chegam lotados e, muitas vezes, nem param no ponto. A situação piorou com o chamado “quadro de horários de férias”, que reduziu ainda mais a oferta de viagens sob justificativa de menor demanda escolar. “Estamos indo trabalhar, tenho medo de perder meu emprego”, lamenta a usuária que prefere não se identificar, que aguardou mais de 40 minutos no ponto, sem conseguir embarcar para o trabalho.
O cenário não é exceção. Dados da Prefeitura de Belo Horizonte apontam que o bairro Nazaré registra há muito tempo denúncias de usuários sobre superlotação, má conservação dos veículos e descumprimento de horários — em número muito superior ao registrado em bairros centrais, como Anchieta.
Moradores e lideranças comunitárias denunciam o efeito prático dessas políticas: “A política de mobilidade de Belo Horizonte foi feita de acordo com o CEP da pessoa. Tiraram os ônibus diretos para o Centro apenas dos bairros periféricos, como Nazaré. Somos obrigados a enfrentar filas, atrasos, sem alternativa para chegar ao trabalho, à saúde ou à escola”, afirma uma moradora do bairro.
O ranking das dez piores linhas de ônibus de BH, segundo relatório da prefeitura, é liderado justamente pelas que atendem o Nazaré e vizinhanças: a linha 806 aparece em primeiro lugar, com cerca de 50% das denúncias relacionadas à falta de cumprimento dos horários, enquanto a 815 é vice-líder, com 33% dos registros voltados ao péssimo estado dos coletivos. Especialistas apontam que a despriorização dessas linhas é consequência do critério de lucratividade das empresas, já que os ônibus de periferia fazem trajetos mais longos e superlotam facilmente, ao mesmo tempo em que recebem veículos mais velhos e precários.
Políticas que não alcançam quem mais precisa
Apesar do aumento anunciado de viagens e renovação de frota por parte da prefeitura, as melhorias não têm chegado ao Nazaré. O subsídio milionário dado às empresas, baseado na quilometragem rodada, não garante o atendimento igualitário, e o sindicato afirma que “não diferencia clientes ou bairros”, o que não corresponde à experiência diária dos moradores periféricos. Para muitos, resta apenas recorrer a alternativas caras, como transporte por aplicativo, ou buscar a compra de motocicletas, elevando o risco de acidentes — problema ressaltado pelos próprios moradores.
A insatisfação com as prioridades públicas se mistura ao sentimento de negligência social. “O nosso maior problema está nesse ponto: mobilidade urbana feita por CEP. É o nosso direito à cidade sendo negado. Não precisamos de feriado para casamento cristão e monogâmico, precisamos de ônibus que nos atendam, que vá direto ao Centro, como outros bairros têm”, resume uma liderança local ao criticar os rumos das políticas municipais.
As críticas têm como alvo a atuação do vereador Neném da Farmácia (Mobiliza), que se autoproclama representante da região do Nazaré que é, no mínimo, contraditória diante do histórico de abandono no transporte público que marca o bairro. Enquanto milhares de moradores são obrigados a enfrentar filas intermináveis à espera de ônibus que nunca chegam, o parlamentar parece encontrar tempo e empenho apenas para pautas ideológicas de utilidade e interesse duvidosos, como o recém-instituído “Dia da Fidelidade Conjugal” — iniciativa que virou lei, sancionada pelo prefeito Álvaro Damião (União) e amplamente divulgada em redes sociais e jornais locais. A prioridade, ao que tudo indica, não é resolver problemas concretos e urgentes, mas promover debates estéreis que servem mais à autopromoção política que à garantia de direitos básicos.
O prefeito também não se destaca por demonstrar qualquer compreensão real sobre o dia a dia da população do Nazaré. De um lado, celebra projetos dignos de piada, comparando datas simbólicas e alimentando polêmicas sobre o “status do dia do corno”; de outro, ignora sistematicamente a ausência de linhas de ônibus no bairro e o aumento explosivo de reclamações de usuários, que somam centenas apenas nos últimos meses. Em Belo Horizonte, parece que a luta pelo “direito à cidade” e pela dignidade no transporte coletivo é travada sem aliados entre quem deveria representar e governar para todos — restando ao cidadão o papel recorrente de espectador das prioridades questionáveis do Legislativo e do Executivo.
Caminhos para a resposta
O impasse evidencia que a Tarifa Zero, que esteve em discussão na Câmara Municipal, não basta se não vier acompanhada de políticas que ampliem — e não reduzam — o atendimento à periferia. Enquanto o município anuncia melhorias gerais, o bairro Nazaré segue aguardando respeito, inclusão e direito à mobilidade. Por enquanto, o que se vê é uma cidade onde a qualidade do transporte coletivo ainda depende de onde você mora — e de quantos quilômetros você precisa percorrer até conquistar o próprio direito de ir e vir.