Pesquisador alerta: Big Techs consolidam aliança com máquina de guerra dos EUA e ampliam riscos à soberania digital
Sérgio Amadeu, da UFABC, denuncia a participação ativa de gigantes da tecnologia em projetos militares e defende que Brasil invista em infraestrutura digital própria para proteger dados públicos e evitar submissão a interesses estrangeiros

Luciano Meira
A presença de executivos das principais big techs – como Meta, OpenAI e Palantir – em postos de liderança nas Forças Armadas dos Estados Unidos expõe, segundo o sociólogo Sérgio Amadeu da Silveira, a ligação direta dessas empresas com a estratégia militar de Washington. Em entrevista à Agência Brasil, o pesquisador da UFABC e autor do livro “As big techs e a guerra total: o complexo militar-industrial-dataficado” criticou duramente o protagonismo dessas corporações na coleta e processamento de dados para fins bélicos e questionou a dependência do Estado brasileiro em relação a soluções estrangeiras para gestão de informações sensíveis.
“Não vamos ter ilusão. As big techs são máquinas geopolíticas. A tecnologia não é só um meio para se atingir uma finalidade. Ela é um dos principais instrumentos do poder político, econômico e militar global. O próprio Trump diz que as big techs são a linha de frente do poder americano”, afirmou Sérgio Amadeu.
Em junho deste ano, o Exército dos Estados Unidos (EUA) revelou que executivos de gigantes da tecnologia como Meta, OpenIA e Palantir foram nomeados tenentes-coronéis do Destacamento 201, recém-criado para abrigar líderes da tecnologia.
“A posse deles é apenas o começo de uma missão maior para inspirar mais profissionais de tecnologia a servir sem abandonar suas carreiras, mostrando à próxima geração como fazer a diferença no uniforme”, informou o Exército norte-americano.
O pesquisador detalha como a Inteligência Artificial, desenvolvida pelas big techs, já foi usada para identificar alvos militares civis na Faixa de Gaza. “O primeiro grande laboratório do uso de IA para fixação de alvos militares foi a Faixa de Gaza. Elas atuam para o Estado de Israel, mapeando a população civil a partir dos dados coletados em redes sociais e de companhias telefônicas”, explicou Amadeu. Segundo ele, o sistema cria padrões e identifica digitalmente supostos integrantes do Hamas: “É uma fabricação de alvos a partir de dados de redes sociais”.
Amadeu ainda chama atenção para o fato de que serviços oferecidos por empresas como Amazon, Google e Microsoft podem ser suspensos caso países “não atuem como o Estado americano pretende”. Exemplifica tal risco ao lembrar que juízes da Corte Penal Internacional tiveram os acessos bloqueados pela Microsoft a mando do governo Trump. “Você não pode deixar arquivos estratégicos e sensíveis na mão dessas empresas”, advertiu.
No contexto brasileiro, ele vê com preocupação o fato de universidades e órgãos públicos armazenarem dados na infraestrutura dessas corporações, além de citar o recente contrato do Gabinete de Segurança Institucional com a Amazon. “As Forças Armadas brasileiras têm sua infraestrutura de conectividade na mão de uma empresa americana. O alto comando militar brasileiro não se importa com essa dependência”, critica Amadeu.
O lançamento do programa Nuvem Soberana pelo governo federal é considerado positivo pelo pesquisador, mas insuficiente. “Lançar um programa de nuvem soberana é um avanço. Mas ter nuvem da Amazon ou da Microsoft localizada no Brasil não é suficiente diante das políticas expansionistas de Trump. O Cloud Act e outras leis americanas fazem com que máquinas e sistemas das big techs estejam submetidos ao Estado norte-americano”, alertou.
Por fim, Amadeu defende políticas de investimentos em infraestrutura digital própria, data centers nacionais e fortalecimento de empresas públicas no setor: “Não há soberania nacional hoje, sem soberania tecnológica e digital. O Brasil precisa recuperar o controle dos seus dados estratégicos, que não podem estar nas mãos das big techs, ainda mais enquanto elas estão a serviço do poder político dos EUA”.