Primavera de Ferro

Camilo Lélis

Carlos Drummond de Andrade abordou a mineração em Minas Gerais tanto na poesia quanto em crônicas, criticando o caráter predatório da atividade e a exploração do solo e das pessoas por ela imposta, enxergando a paisagem e a vida mineradas como uma “pedra” no caminho do estado. Ele via a mineração como um processo de “expropriação”, “desgraça” e “vilipêndio moral” que trazia destruição e não desenvolvimento — uma visão que contrastava com o discurso oficial e que, infelizmente, se manifestou em tragédias como as de Mariana e Brumadinho.

Cidades de gente feliz? Como? Pão e circo. Cortina de fumaça e premiações dadas pelo governador do estado. A medalha vai para quem?
Quem ganha com as tragédias? Quem ganha com as guerras? Aos poucos, os aparentes mocinhos vão se infiltrando na política e, de gorjeta em gorjeta, se colocam e logo dão seu próprio preço. É o “sim” para as PECs nefastas. Acumulam fundos e reservas que vão muito além de ganhos lícitos, frutos do suor honesto do trabalho. Enquanto as montanhas e os patrimônios de Minas escoam pelo ralo, pelos rios e para os bolsos dos corruptos, assistimos, desolados, à total irresponsabilidade de servidores públicos e gestores no atual escândalo da mineração. Vendidos. Um sem-fim, sem fundo, sem limites, rotando minério de ferro e depredação ambiental neste planeta Minas Gerais, sem versos e poesias de Drummond que nos acalente.

“Quantas toneladas exportamos
De ferro?
Quantas lágrimas disfarçamos
Sem berro?”

A primavera em Minas, para além da beleza dos ipês, chega barroca na corrupção entre iniciativa privada e poder público. Entrelaçada. Sinuosa e robusta. Diria mais: vergonhosa e vexatória. Onde está o caráter das pessoas? Tiveram educação, pais, princípios, valores essa cambada de chacais? A Operação Rejeitos, perpetuada pela Polícia Federal em Minas e outros estados, tira o odor primaveril e nos sufoca com cheiro de esgoto humano.

Belo Horizonte, Nova Lima, Brumadinho, Ouro Preto, Congonhas, Itaúna… onde mais? Onde vai parar?

E está aqui, viu? Pertinho. No interior. Na região metropolitana. Mas, uma hora dessas, toc, toc, a Federal bate na sua porta.

Pois não é de fato pró-atividade, formação, inteligência que colocam pessoas em determinados cargos — é a capacidade de ser laranja, de ser cúmplice, de jogar com as mesmas cartas e achar normal ser corrupto.

Drummond, que falta você faz! É pior do que o senhor imaginou.

Camilo Lélis

Ator, itaguarense, com formação concluída no Centro de Formação Artística da Fundação Clóvis Salgado/Palácio das Artes, em Belo Horizonte. Transita pela atuação, escrita e direção cênica. Atuou em diversos espetáculos, com experiência também no cinema e na TV. @camilo.lelis.oficial
Botão Voltar ao topo