Reciclagem de plástico não impede a contaminação por nanoplásticos, alertam especialistas

Luciano Meira

A reciclagem, frequentemente apontada como solução para o lixo plástico, tem mostrado limitações graves diante de uma poluição menos visível: a causada pelos nanoplásticos. Estudos recentes indicam que, mesmo durante a coleta, lavagem e processamento dos resíduos, fragmentos microscópicos se formam e dispersam, tornando o problema ainda mais complexo e silencioso.​

Plásticos que se desintegram no ar e na água

Segundo pesquisa liderada por cientistas da Universidade Federal Fluminense – UFF, Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e Universidade Estadual do Rio de Janeiro Uerj, os plásticos se fragmentam continuamente em micro e nanopartículas, que contaminam a água, o solo e o ar. Essas partículas são tão pequenas que chegam à corrente sanguínea humana e a órgãos vitais. “Até a água que a gente bebe tem micro e nanoplásticos”, afirma o professor Vitor Ferreira, da UFF.​Essas partículas, algumas menores que 1 micrômetro, são resultado da degradação natural, mas também de atividades industriais. O relatório “Ameaça microscópica aos oceanos”, da ONU, mostra que a abrasão de pneus e o desgaste de roupas sintéticas — ambos compostos por polímeros — liberam nanoplásticos que alcançam até as camadas mais profundas dos oceanos.​

Reciclagem: aliada, mas também geradora

Embora a reciclagem plástica seja divulgada como essencial ao combate à poluição, o processo não é isento de riscos. A lavagem e a trituração dos materiais liberam partículas plásticas em sistemas de água e ar, multiplicando as fontes de nanopoluição. Pesquisadores da Embrapa alertam que, na reciclagem mecânica, o atrito entre as peças e o uso intensivo de água favorecem a liberação desses microfragmentos, que voltam ao ambiente de forma invisível.​

Um estudo divulgado pela organização Climate Reality Project reforça que mais da metade dos resíduos enviados para reciclagem não é efetivamente reaproveitada, gerando novas emissões e fragmentos plásticos. Mesmo os processos químicos, que prometem reciclar plásticos complexos, podem liberar micropartículas durante a manipulação e o reaquecimento dos materiais.

O ciclo invisível da poluição

Os nanoplásticos são considerados os polímeros mais nocivos porque conseguem absorver substâncias altamente tóxicas, como pesticidas e metais pesados. Uma vez ingeridos, podem atravessar barreiras celulares e afetar tecidos e órgãos internos.​

Os estudos reunidos na pesquisa encontraram partículas em alimentos tão diversos quanto açúcar, sal e mel, além disso, estudos do Instituto Mamirauá apontam que os fragmentos resultantes do transporte e manuseio de plásticos são detectados até em peixes e moluscos da Amazônia que depois transferem essas cargas para os predadores, incluindo os seres humanos. — evidência de que o ciclo de contaminação se fecha sobre a população. “Esses materiais chegam ao meio ambiente em cada etapa do consumo, inclusive quando tentamos reciclá-los”, aponta o relatório.​

Mais do que reciclar: reduzir

Diante da constatação de que a reciclagem sozinha não dá conta do problema, o foco das campanhas ambientais internacionais de 2025, lideradas pela ONU, voltou-se à redução do consumo de plásticos descartáveis, por exemplo, copos, canudos de bebidas e sacolas de supermercado. A recomendação é que governos e indústrias implementem políticas de “design reverso”, incentivando a produção de materiais realmente biodegradáveis e o reuso de embalagens.​

Especialistas reforçam que, embora a reciclagem continue importante, a única forma eficaz de conter a contaminação por nanoplásticos é uma mudança estrutural no modelo produtivo e nos hábitos de consumo. Como diz Laerte Scanavacca Jr., da Embrapa Meio Ambiente, “reciclar é útil, mas reduzir e repensar são urgências ambientais”.