STF pode sacramentar desmonte dos direitos trabalhistas: julgamento ameaça proteção, justiça e dignidade do trabalhador

Tema 1389 no STF acende alerta vermelho: decisão pode blindar fraudes e empurrar milhões de trabalhadores para a precarização, reduzindo o acesso à Justiça e à seguridade social

Arte RMC produzida por IA
Luciano Meira

O Supremo Tribunal Federal (STF) está prestes a julgar o Tema 1389, um processo de repercussão geral que pode mudar radicalmente o destino da proteção trabalhista no Brasil. À sombra de debates técnicos, a corte avalia se basta a existência de contratos civis para afastar a competência da Justiça do Trabalho em casos de fraude, transferindo o ônus da prova ao empregado e congelando milhões de ações. O julgamento, pouco noticiado, pode abrir as portas para uma era de “pejotização” desenfreada, restringindo o acesso à Justiça e fragilizando direitos históricos dos trabalhadores.

Como o caso chegou ao STF

O Tema 1389 surgiu a partir de recurso extraordinário em que se discutia a licitude de contratos civis mascarando vínculos de emprego. Após decisões desfavoráveis nos tribunais inferiores, o processo chegou ao STF, sob relatoria do ministro Gilmar Mendes, que determinou, em abril de 2025, a suspensão nacional de todas as ações que tratam do tema até o julgamento definitivo. A medida atinge milhões de trabalhadores que buscam o reconhecimento de vínculos ocultados por contratos de pessoa jurídica (PJ), travando o acesso a direitos garantidos por décadas de legislação e jurisprudência consolidada.Na prática, a suspensão impede que trabalhadores consigam sentença enquanto a discussão não é encerrada pelo STF. Isso cria um vácuo de proteção: empresas podem fechar as portas ou sumir antes da decisão definitiva, resultando em “justiça negada” mesmo após eventual vitória do trabalhador na Justiça.

O que está em jogo para o trabalhador

O cerne do julgamento é decidir se a simples existência do contrato civil já basta para afastar o exame da Justiça do Trabalho sobre fraude, transferindo para a Justiça Comum a análise de relações de emprego. Nessa hipótese, corrobora-se a blindagem patronal: a fraude empresarial ganha carta branca, pois a Justiça Comum dispõe de menos instrumentos e vivência para reconhecer vínculos de emprego disfarçados.

O STF discutirá ainda se o ônus de provar a fraude, tradicionalmente das empresas, deve recair sobre o trabalhador. Essa inversão é vista como convite aberto à impunidade: a parte mais frágil, carente de recursos e acesso a provas, dificilmente conseguirá demonstrar a fraude, consolidando a precarização e desmontando de fato a rede de proteção trabalhista.

Consequências sociais e arrecadatórias

Entidades apontam o potencial devastador da medida: erosão do FGTS, queda na arrecadação previdenciária, impacto direto sobre a seguridade social e o SUS, além do avanço da “uberização” das relações laborais. Estimativas mostram que a adoção massiva do modelo PJ pode extinguir até R$ 384 bilhões em arrecadação anual federal, ameaçando a previdência pública e empurrando milhões de idosos para o Benefício de Prestação Continuada (BPC), injetando custos elevados ao Estado e, ao fim, à sociedade.

A decisão do STF pode institucionalizar um mercado de trabalho onde trabalhadores vivem sem férias, FGTS ou proteção previdenciária, sustentando-se por relações instáveis e excludentes. É uma regressão histórica, com potencial de sepultar décadas de avanços inscritos na Constituição de 1988.

Crítica ao esvaziamento da Justiça do Trabalho

Entidades judiciais e especialistas veem na movimentação uma ameaça frontal à própria existência da Justiça do Trabalho, que sempre foi o último anteparo contra fraudes desta natureza. Entregar à Justiça Comum o julgamento desses casos é retirar do trabalhador o acesso a um ambiente especializado, agravar o desequilíbrio processual e inibir o combate sistemático à precarização.

Ao transformar a afirmação patronal em verdade absoluta, nega-se o princípio da primazia da realidade e institucionaliza-se a negação dos direitos básicos. O STF, no afã de responder às pressões econômicas, corre o risco de endossar juridicamente um país em que o desmanche social será a nova regra, e não a exceção.

O julgamento do Tema 1389 não é só um detalhe técnico. É a encruzilhada entre civilização e barbárie: caso o STF avance para a flexibilização máxima da proteção aos trabalhadores, o Brasil pode rever 150 anos de lutas por dignidade – e, sem alarde, transformar a “liberdade econômica” em sinônimo de precarização generalizada

O Metropolitano

Jornalismo profissional e de qualidade. Seu portal de notícias da Região Metropolitana de Belo Horizonte, de Minas Gerais, do Brasil e do Mundo.
Botão Voltar ao topo