Talento político: a arte de roubar sem corar

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Camilo Lélis

Da parábola bíblica ao balcão de negócios, no Brasil o dom virou trambique com terno e gravata
Na Bíblia, talento era ouro e prata. Depois, na parábola de Mateus, virou símbolo de responsabilidade: dom que precisa ser multiplicado em benefício de todos. No Brasil, atualizamos a fábula. Aqui, talento é saber desviar sem deixar rastros, enriquecer sem levantar suspeitas, sobreviver a escândalos com discursos ensaiados. O verdadeiro dom não é governo, é golpe.

A cartilha do aprendizado rápido

Quem entra na política não precisa de curso universitário — basta uma iniciação criminal. Há o primeiro favorzinho, a primeira propina, a primeira sonegação. Pronto: formação concluída. Depois, vem a pós-graduação bancada pelos grandes empresários, com advogados de luxo e contas em paraísos fiscais. Campanha eleitoral? Custa milhões, mas é investimento certeiro: quem financia, cobra a fatura. E o eleito paga com emendas, contratos e votações. Um retorno mais garantido que a poupança.

O talento do cinismo

Enquanto engravatados multiplicam fortunas em nome do “talento político”, sobra ao cidadão comum ouvir que o problema do país é “o pobre que não quer trabalhar”. O trabalhador paga imposto, sustenta privilégios e ainda leva culpa. Já banqueiros, mineradoras, empreiteiros e amigos do poder continuam sorrindo, porque seus verdadeiros benefícios não aparecem em programas sociais, mas em licitações direcionadas e perdões fiscais.

A festa de máscaras

Franz Kafka escreveu que se envergonhou de estar numa festa de máscaras com o rosto limpo. No Brasil, isso resume a cena política. O honesto é ridicularizado, tratado como ingênuo ou suicida. O esperto é promovido, reeleito e até aplaudido quando levado à delegacia. A honestidade, aqui, não é talento, é atestado de fracasso.

A parábola às avessas

Na Bíblia, quem enterrou o talento foi condenado. Na política brasileira, quem tenta multiplicar talento em nome do bem comum é aniquilado. O sistema não admite virtude: só premia malícia. O maior dos talentos, hoje, é roubar em plena luz do dia e ainda posar de paladino da moral numa coletiva de imprensa.

No fim, o Brasil já respondeu à velha pergunta: é preciso talento para ser político? Sim. O talento de transformar corrupção em carreira e cara de pau em patrimônio.

Camilo Lélis

Ator, itaguarense, com formação concluída no Centro de Formação Artística da Fundação Clóvis Salgado/Palácio das Artes, em Belo Horizonte. Transita pela atuação, escrita e direção cênica. Atuou em diversos espetáculos, com experiência também no cinema e na TV. @camilo.lelis.oficial
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