Trabalhadores sob ataque: remuneração por hora ameaça estabilidade e direitos
Defendida pela Fecomércio-MG, remuneração por hora trabalhada pode aprofundar a precarização e reduzir rendimentos dos trabalhadores

Luciano Meira
A proposta da Fecomércio Minas Gerais de adotar a remuneração por hora trabalhada, sob o argumento de modernizar o mercado e flexibilizar as jornadas, acendeu um alerta entre especialistas e sindicatos. A medida, que ainda será debatida entre empresários, trabalhadores e governo antes de chegar ao Congresso, pode representar uma ameaça direta à segurança financeira e aos direitos historicamente conquistados pela classe trabalhadora.
Incerteza e precarização
A remuneração por hora trabalhada, conforme o modelo defendido pela entidade patronal, tende a fragilizar a relação entre trabalhadores e empresas. Ao adotar contratos com jornadas incertas e sem garantia de um salário mensal fixo, o trabalhador se vê diante de um cenário de instabilidade que dificulta o planejamento econômico básico, como o pagamento de contas, o aluguel e o sustento de famílias inteiras.
A análise sobre o tema aponta que a medida reproduz práticas já observadas no trabalho intermitente, que, na prática, transformam o trabalhador em alguém permanentemente disponível, mas sem a certeza de quando será chamado a trabalhar ou quanto receberá ao fim do mês. O risco, portanto, é de que a chamada “flexibilização” se traduza em insegurança e vulnerabilidade.
Redução de direitos e renda
Com a remuneração por hora, direitos como férias, 13º salário e FGTS não desaparecem, mas passam a ser pagos de forma proporcional e fracionada, acompanhando o número de horas efetivamente trabalhadas. Isso significa que o trabalhador deixa de receber seus benefícios de forma integral e previsível.
No caso das férias, por exemplo, a remuneração proporcional dilui o benefício ao longo do tempo, enfraquecendo a possibilidade de descanso prolongado. O mesmo ocorre com o 13º salário, que deixa de ser uma gratificação anual significativa e passa a uma soma de pequenas parcelas. Já o FGTS, calculado sobre o valor efetivamente recebido, tende a diminuir, reduzindo a poupança acumulada para o futuro.
Impacto direto no bolso
Os prejuízos não são apenas teóricos. De acordo com estudos do Dieese, trabalhadores submetidos a regimes semelhantes, como o intermitente, recebem em média 58% do salário mínimo mensal — cerca de R$ 762, considerando o valor de R$ 1.320 em 2023. Isso representa uma perda de 42% na renda, que pode se ampliar conforme a irregularidade das convocações.
No setor do comércio, simulações indicam que, sem jornada mínima garantida, a perda salarial média anual pode chegar a 12,2%. Em termos práticos, mais de 75% dos trabalhadores intermitentes acabam recebendo abaixo do piso da categoria. Apenas um em cada quatro consegue se aproximar do salário mínimo.
Reflexos sociais e econômicos
Os danos potenciais vão além do bolso do trabalhador. A redução das contribuições previdenciárias, por exemplo, tende a comprometer o financiamento da seguridade social e a aumentar a dependência de programas de assistência. Menor arrecadação para o INSS e maior instabilidade laboral significam, no longo prazo, enfraquecimento das redes de proteção pública.
Além da perda financeira e social, especialistas alertam para os riscos à saúde mental e física. A insegurança permanente, a ausência de rotina e a expectativa constante de convocação podem gerar ansiedade e adoecimento, agravando a precarização emocional do trabalho.
Liberdade ou vulnerabilidade?
A Fecomércio-MG sustenta que o modelo traria maior liberdade de escolha para os trabalhadores decidirem quando e onde trabalhar. Mas críticos da proposta observam que o discurso da liberdade pode esconder a transferência do risco econômico — antes sob responsabilidade das empresas — diretamente para o trabalhador.
Na prática, em vez de promover liberdade de escolha, o modelo pode consolidar uma nova forma de subordinação: a do trabalhador permanentemente disponível, sem garantia de renda, direitos proporcionais e pouca estabilidade.
O que está em jogo
Caso a proposta da remuneração por hora seja transformada em lei sem as salvaguardas necessárias, o país poderá assistir a uma nova onda de precarização do trabalho, semelhante à ampliação de modelos intermitentes e temporários implementados nos últimos anos.
Sem garantia de jornada mínima, previdência sólida e direitos assegurados, o trabalhador será o elo mais fraco de um sistema que privilegia a flexibilidade patronal em detrimento da segurança social. A promessa de “modernização”, portanto, pode esconder um retrocesso que ameaça reconduzir o país a um modelo de informalidade institucionalizada e de renda insuficiente para assegurar dignidade.