Defensoria Pública entrou com ação contra medida considerada ‘abstinência forçada’
Da redação | BdF – MG
Considerado como aceno ao eleitorado de extrema direita, o governo de Minas Gerais, comandado por Romeu Zema (Novo), proibiu a entrada e o consumo de cigarros em todas as 171 unidades prisionais do estado. Zema deseja ser candidato à Presidência em 2026 e está de olho no espólio do inelegível ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
A proibição está em vigor desde o final de agosto. Os presos relatam que, para contornar a medida, estão fumando cascas de frutas e pedaços de colchões.
Um caso de automutilação de uma detenta, causado por uma crise de abstinência, foi registrado no Complexo Penitenciário Feminino Estevão Pinto, em Belo Horizonte.
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Os depoimentos foram colhidos por representantes da Defensoria Pública de Minas Gerais e por deputadas da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, durante inspeções realizadas em presídios localizados em Juiz de Fora e na região metropolitana de Belo Horizonte.
A Defensoria ajuizou uma Ação Civil Pública argumentando que a medida viola o direito à saúde dos presos dependentes de nicotina e impõe uma “abstinência forçada”, sem o acompanhamento médico e psicológico adequado.
“Não há nenhum tratamento válido que possa ser feito de forma compulsória”, afirma o defensor Leonardo Bicalho Abreu, coordenador estratégico do Sistema Prisional de Minas Gerais na Defensoria.
Na avaliação de familiares e de grupos de apoio a pessoas privadas de liberdade, a proibição do consumo pode ainda desencadear rebeliões e motins.
A proibição é tida como ‘agrado’ a agentes de segurança pública
A proibição, supostamente faz parte de um “conjunto de agrados” do governo Zema a setores que compõem o sistema de segurança pública, como os policiais penais (antigamente chamados de agentes penitenciários).
Os policiais penais alegam que a medida beneficia a saúde da categoria, exposta aos malefícios do cigarro de forma passiva. Além disso, reduz o risco de incêndios e dificulta o tráfico de drogas, pois os cigarros são usados como moeda de troca dentro dos presídios.
“São grupos próximos às ideias de extrema direita, que pensam o preso como não sendo humano e nem portador de direitos. Querem tratá-los de forma desumana, como se fosse a escória da sociedade”, afirma Róbson Sávio Reis Souza, presidente do Conedh-MG (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos de Minas Gerais).
Para Souza, esse tipo de medida dá uma ideia falsa de controle do sistema prisional, de que o governo é forte e duro com os presos.
A juíza Janete Gomes Moreira, da 4ª Vara da Fazenda Pública de Belo Horizonte, indeferiu a petição inicial da Defensoria. Para a juíza, a demanda buscava proteger o “direito ao uso do cigarro”, o que não seria possível por meio de Ação Civil Pública.
A Defensoria recorreu argumentando que a juíza não compreendeu a demanda, que tem como objetivo central a tutela da saúde dos presos, e não a garantia do direito ao uso do cigarro. O recurso ainda não foi julgado.
Os defensores também destacam a falta de estrutura adequada nos presídios para lidar com os efeitos da abstinência, como a carência de profissionais de saúde e a superlotação das unidades. Abreu destaca que a medida foi tomada de forma precipitada, sem o governo mineiro ao menos apontar qual o número de presos fumantes.
A preocupação da Defensoria se baseia em documentos oficiais que orientam a política de combate ao tabagismo. Tanto o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para o Tabagismo (PDCT), do Ministério da Saúde, quanto uma Nota Técnica da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, reforçam a necessidade de tratamento individualizado e voluntário para a dependência de nicotina.
“O tratamento deve ser oferecido como uma opção, não devendo ser compulsório, tendo em vista que é importante respeitar a autonomia do indivíduo e oferecer suporte e informações para que ele possa tomar a melhor decisão para a sua saúde”, diz a nota técnica da secretaria de Saúde do governo mineiro.
Familiares de presos temem rebeliões
Na análise de Maria Tereza dos Santos, a dona Tereza, do GafiPPL (Grupo de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade), a retirada dos cigarros, além de perversa, pode ser o estopim para rebeliões e motins.
Em 25 de julho, uma rebelião na Penitenciária de Três Corações, no sul de Minas, foi atribuída à proibição do cigarro. Procurado, o governo mineiro não respondeu aos questionamentos sobre o motim.
Tereza afirma que a articulação das famílias, que se alinharam para conversar com os presos, tem contido novas rebeliões. “A única coisa que o preso tem para descarregar a angústia, a ansiedade e o ódio por ter que andar de cabeça baixa, levando tapa e não poder reagir é o cigarro. Na hora que o bicho pega, ele senta no cantinho dele e fuma”, diz.
A deputada estadual Andréia de Jesus (PT), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, pede uma ação do Ministério Público Estadual na defesa dos direitos dos presos.
“Não há dúvida que o interesse é o extermínio da população carcerária. Não se oferece tratamento de saúde e impõe de forma súbita uma medida que prejudica o convívio. Quero discutir o fracasso do sistema prisional. Eu defendo os pretos e pobres, que é um grupo com o qual nem a esquerda consegue conversar”, disse.
Para ela, com a proibição, o cigarro torna-se um objeto mais valorizado para o comércio dentro do sistema carcerário, favorecendo os agentes suscetíveis à corrupção.