Ramal ferroviário ameaça água e comunidades na RMBH
Deputadas Beatriz Cerqueira (PT) e Lohana (PV), estiveram na região ouvindo representantes do Poder Publico e das comunidades locais

Luciano Meira
Um projeto de ramal ferroviário da Cedro Participações, destinado ao transporte de minério de ferro entre Mateus Leme e São Joaquim de Bicas, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), está gerando forte apreensão e críticas por parte de parlamentares mineiros e moradores locais. Com aproximadamente 32 quilômetros de extensão e capacidade para movimentar 25 milhões de toneladas anuais de minério, o Ramal Serra Azul visa facilitar a exportação pelo Porto de Itaguaí (RJ), concedido à mesma empresa. No entanto, deputadas estaduais apontam falhas graves no processo de autorização pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).A ANTT aprovou o credenciamento dos imóveis necessários para o ramal e declarou o empreendimento de utilidade pública em março deste ano, autorizando a Cedro Participações a promover as desapropriações e até invocar caráter de urgência para imissão na posse. Contudo, uma visita técnica da Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) revelou uma série de impactos ambientais e sociais que, segundo a deputada Beatriz Cerqueira (PT) autora do requerimento para a visita técnica, não foram devidamente considerados pela agência reguladora.
“ANTT não seguiu o básico”
A crítica central das parlamentares, acompanhadas pelo vereador Rafael Ferreira (PV), de Igarapé, recai sobre a forma como a ANTT concedeu a autorização. A deputada Lohanna afirmou que “A ANTT não seguiu o básico antes de permitir a implementação dessa nova ferrovia, como ouvir primeiro a comunidade”. Para ela, a ação da agência “precisa ser questionado e, sobretudo, derrubado”, pois as pessoas estão lutando “pelas casas delas, pela terra delas, pela água que bebem e usam”.

A deputada Beatriz Cerqueira falou em mobilização, resistência e criticou quem o aprovou, sugerindo desconhecimento do território ou intenção de destruí-lo. Ela mencionou que já teriam ocorrido invasões de territórios para pesquisas sem o conhecimento dos municípios, o que demonstra a “gravidade dessa ação criminosa”. Essa falta de informação oficial foi confirmada por representantes da Prefeitura e Câmara Municipal de Igarapé.
Impactos ambientais e sociais alarmantes
A visita da Comissão de Meio Ambiente percorreu áreas em Igarapé e São Joaquim de Bicas e constatou que o projeto pode comprometer 78 córregos e unidades de conservação, além de ameaçar a segurança hídrica de boa parte de Belo Horizonte e da RMBH, afetando cursos d’água que alimentam o Sistema Serra Azul. Especialistas alertam que os cortes e aterros necessários para a ferrovia podem significar o fim de córregos de água limpa.

Além dos riscos ambientais, dezenas de pequenas propriedades rurais dedicadas à produção de alimentos, condomínios e bairros residenciais seriam impactados, exigindo desapropriações. Estima-se que 5 mil famílias somente em Igarapé possam ser prejudicadas. A rota da ferrovia passaria perto ou mesmo sobre áreas de lazer em condomínios, e afetaria locais sensíveis como o Hospital 272 Joias (construído com recursos de Brumadinho), um centro de retiro religioso, e a Aldeia Indígena Pataxó Naô Xohã. O Cacique Sucupira expressou apreensão, lembrando que já convivem com outra ferrovia próxima e que nascentes em seu território estão ameaçadas, somando-se aos danos do rompimento da barragem da Vale no Rio Paraopeba. “Eu e meu povo não vamos permitir que nossa terra seja destruída. Nós vamos resistir”, declarou o cacique.
Diante do cenário e da falta de diálogo, as deputadas afirmam que o relatório técnico da visita embasará ações junto ao Ministério Público e à própria ANTT. Novos encontros estão previstos em outros municípios afetados e na Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semad), onde o processo de licenciamento ambiental do ramal sequer teria começado a tramitar, segundo informações da Prefeitura de Igarapé. Para as parlamentares, a visita provou que o traçado do futuro ramal ferroviário precisa, no mínimo, ser modificado, pois impacta “áreas muito diversas, quatro municípios, a reserva hídrica praticamente da RMBH inteira, e até comunidades tradicionais”, e isso “não pode ser ignorado”.