Álvaro Damião e empresários pressionam e vereadores de BH rejeitam tarifa zero em ônibus
Com voto negacionista marcado por pressão política e alinhamento com interesses empresariais, 30 vereadores uniram forças para barrar iniciativa respaldada por estudo da UFMG

Luciano Meira
A Câmara Municipal de Belo Horizonte reprovou nesta sexta-feira (3) o projeto de lei que propunha a implementação da tarifa zero no transporte coletivo da capital. O resultado da votação foi 10 votos favoráveis contra 30 contrários, sepultando a chance da cidade se tornar a primeira capital brasileira a extinguir a cobrança de passagens de ônibus para toda a população. O projeto, anteriormente assinado por 22 vereadores, viu grande parte desses parlamentares recuar, numa demonstração clara do peso da pressão política exercida pelo prefeito Álvaro Damião (União Brasil) e pelos representantes dos empresários.
Voto contrário apesar do apoio inicial e dos dados técnicos
Apresentado em fevereiro por Iza Lourença (PSOL), o PL 60/2025 previa gratuidade universal nas linhas de ônibus municipais em até quatro anos, financiada por uma Taxa do Transporte Público (TTP) cobrada das empresas com mais de nove funcionários, além de recursos do Fundo Municipal de Melhoria da Qualidade e Subsídio ao Transporte Coletivo, multas às concessionárias e receitas de publicidade. Estimativas indicavam custo em torno de R$ 2 bilhões anuais para a manutenção do sistema gratuito, valor que defenderam ser viável, com projeções técnicas produzidas pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Entretanto, mesmo com estudos reconhecidos pela sua qualidade técnica e imparcialidade, que apontavam para a viabilidade econômica e o impacto social positivo da tarifa zero, os vereadores ignoraram essas evidências na hora do voto. A maioria demonstrou ceticismo e aderiu à narrativa da prefeitura que alegava falta de recursos para ampliar o subsídio às empresas, hoje em torno de R$ 700 milhões anuais, e defenderam os interesses do setor empresarial.
Pressão de prefeito e lobby empresarial
A derrota do projeto é apontada como reflexo da atuação combinada do prefeito Álvaro Damião, que desde o início se posicionou contra a tarifa zero, e do lobby dos empresários, interessados em manter o modelo atual que preserva suas receitas e lucros. Nas semanas anteriores à votação, Damião reuniu-se com dirigentes do setor e mobilizou a base política para garantir votos contrários.
Esse movimento político foi acompanhado de intensa mobilização popular em favor da tarifa zero, que incluiu manifestações com blocos de carnaval, artistas como Djonga e diversas organizações sociais. Apesar do apoio da população, a pressão da prefeitura sobre os vereadores foi suficiente para inverter a posição de muitos deles, inclusive entre aqueles que inicialmente tinham assinado o projeto. São Paulo e outras cidades já aplicam políticas similares, mostrando que a resistência local tem mais motivações políticas e econômicas do que dificuldades reais de implementação.
Votaram contrário e negacionismo
A rejeição do projeto expôs um desprezo preocupante pelos dados científicos e análises técnicas produzidas pela UFMG, que indicava benefícios socioeconômicos relevantes, explicitando o negacionismo que de tantas outras formas também faz tanto mal à sociedade. Além disso, o voto contrário nega as experiências em cidades onde a tarifa zero mostrou-se ferramenta de inclusão social, redução de desigualdades e estímulo à economia local.
Entre os vereadores, houve uma divisão clara: dos 22 que apoiaram a tramitação, somente 10 confirmaram o voto a favor. O restante cedeu à influência de uma prefeitura alinhada aos interesses privados da indústria do transporte, demonstrando uma subserviência que inviabiliza políticas públicas mais ousadas e justas.
Impacto para Belo Horizonte e a mobilização popular
A manutenção do sistema tarifado em Belo Horizonte significa a perpetuação de um modelo que dificulta o acesso ao transporte para parcelas vulneráveis da população, com impacto direto na mobilidade, no emprego e na qualidade de vida. A ausência da tarifa zero sustenta privilégios do setor empresarial e mantém no ostracismo os argumentos das universidades e movimentos sociais.
Diante da derrota no plenário, os defensores da tarifa zero, liderados pela vereadora Iza Lourença, já anunciaram novas mobilizações para cobrar dos vereadores um posicionamento alinhado com os anseios da população. O embate mostra que, apesar do revés, a luta por um transporte público democrático e acessível em Belo Horizonte está longe de terminar.
A votação na Câmara expôs o embate entre interesses públicos e privados na gestão do transporte coletivo em Belo Horizonte, com a prefeitura e empresários controlando o jogo político para impedir avanços reais na democratização do acesso à cidade, em nítido desacordo com pesquisas técnicas e a vontade popular.