PF aponta que “Abin paralela” do governo Bolsonaro espionou mais de 60.000 pessoas
Relatório revela papel central de Alexandre Ramagem e destaca Carlos Bolsonaro entre investigados

Luciano Meira
A Polícia Federal (PF) concluiu recentemente a investigação sobre a chamada “Abin paralela”, estrutura clandestina montada no governo de Jair Bolsonaro para espionar adversários políticos, autoridades e jornalistas, além de atuar em benefício do núcleo familiar do ex-presidente. O relatório final, que teve seu sigilo retirado pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), aponta que o esquema monitorou quase 1,8 mil telefones entre 2019 e 2021, utilizando um sistema israelense de geolocalização para acessar dados sem autorização judicial.
Ao todo, a PF indiciou mais 30 pessoas no inquérito, entre elas o vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro, filho do ex-presidente, e o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante o governo Bolsonaro. O ex-presidente Jair Bolsonaro não foi formalmente incluído na lista de indiciados porque já responde por organização criminosa em outro processo, mas é apontado nos autos como “principal destinatário” das vantagens ilícitas obtidas pelo esquema.O relatório da PF destaca que Alexandre Ramagem comandava a organização criminosa dentro da Abin, organizando a espionagem ilegal e atuando como elo entre o núcleo político e a agência. Já Carlos Bolsonaro é descrito como “idealizador” do esquema paralelo e figura central na estratégia de comunicação e desinformação, sendo beneficiário direto das informações coletadas e utilizando-as para atacar opositores e proteger o núcleo familiar.
No inquérito, consta que Polícia Federal identificou mais de 60 mil pessoas espionadas no governo Bolsonaro, entre 2019 e 2021, com o FirstMile, programa espião adquirido por R$ 5,7 milhões do governo de Israel, com dispensa de licitação e sem autorização judicial. Foram quase 1,8 mil telefones monitorados.
O inquérito afirma que “todas as 60.734 consultas realizadas no FirstMile durante a vigência do contrato com a Abin foram, assim, ilegais em qualquer contexto, e disso não se tem dúvida.”
Tudo feito com a plena ciência do então diretor-geral da Abin e atual deputado federal, Alexandre Ramagem (PL-RJ).
Toda essa investigação paralela teria como objetivo manter Bolsonaro no poder e promover ataques aos adversários políticos e agentes do Estado, que não estavam alinhados com as posições políticas do ex-chefe do Executivo.
Entre os espionados, ilegalmente, não havia apenas opositores do governo de Jair Bolsonaro. Tinha também jornalistas, influenciadores e até religiosos.
O inquérito da PF revela dezenas de alvos da espionagem clandestina dentro da Agência Brasileira de Inteligência, como os ministros do STF, Alexandre de Moraes, na época ele era presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), e Luís Roberto Barroso, atual presidente da Corte.
Os deputados federais Kim Kataguiri (União-SP) e Arthur Lira (PP-AL), os senadores Omar Aziz (PSD-AM), Renan Calheiros (MDB-AL) e Randolfe Rodrigues (PT-AP), e o delegado do caso Marielle, Daniel Freitas da Rosa.
Também Evair Vieira de Melo (PP) e João Campos (PSB), hoje prefeito do Recife (PE), além do senador Alessandro Vieira (MDB) e do advogado Walfrido Warde.
A Abin também foi utilizada para interferir nas investigações da Polícia Federal contra Jair Renan Bolsonaro, filho do ex-presidente, e atual vereador de Balneário Camboriú (SC), eleito em 2024. Na ocasião, agentes da inteligência receberam a missão de caçar podres de Alan Gustavo Lucena do Norte, ex-sócio e personal trainer de Jair Renan.
O caso segue em análise da Procuradoria-Geral da República (PGR), que decidirá se oferece denúncia contra os investigados.